28 junho 2020

Cinco anos (7)

(Continuação daqui)


7. E o PSD não cobra nada?



Ao longo dos cinco anos que já leva o meu case study houve momentos reveladores. Um deles aconteceu há cerca de um ano.

Eu chamo momentos reveladores àqueles em que  tomei conhecimento de alguma peça de informação que fez luz no meu espírito sobre alguma dimensão do meu case study que eu ainda não tinha compreendido completamente.

Uma das questões que eu nunca tinha compreendido perfeitamente foi a importância que o PSD deu ao meu comentário televisivo ao ponto de levar para tribunal uma armada de 14 testemunhas (cf. aqui), entre advogados e administradores hospitalares, tudo boys do PSD. Eu, pelo contrário, convencido de que não cometera crime nenhum, só nomeei uma testemunha, e mesmo essa só após muita insistência da minha advogada.

Como se isso não bastasse, para representar a acusação privada -  a sociedade de advogados Cuatrecasas e o seu director, Paulo Rangel - foi escolhida uma sociedade de advogados claramente identificada com o PSD, que ostenta na sua designação social o nome de um importante barão do partido (entretanto falecido) - a Miguel Veiga, Neiva Santos & Associados - a qual, por seu turno, enviou para o tribunal nada menos do que dois advogados, o Papá Encarnação e o filho.

-Que mal teria eu feito ao PSD para o PSD me querer trucidar desta maneira?

É certo que no final do meu comentário televisivo eu apelava a que as mães das crianças internadas no Hospital de S. João não votassem no PSD enquanto a Cuatrecasas obstaculizasse a obra de construção da ala pediátrica. É certo também que este meu apelo hoje, volvidos cinco anos, tem o sabor de uma profecia. Nunca mais o PSD sozinho ganhou uma eleição no Porto, que é a sua cidade natal.

Mas esse apelo, ainda por cima feito no Porto Canal - um canal de televisão local e com reduzida audiência - não justificava, nem de longe, a importância que o PSD deu ao assunto e a desproporção de forças em tribunal, para já não falar nas manobras de bastidores que tiveram lugar no tribunal de primeira instância de Matosinhos e, mais tarde, no Tribunal da Relação do Porto (cf. aqui).

Eu devia ter tocado, sem me aperceber, numa corda imensamente sensível do PSD-Porto que era, à data, liderado pela facção do Paulo Rangel e do Rui Rio - a qual, um ano depois, viria a assumir a direcção nacional do Partido.

-Mas qual? Que mal teria eu feito ao PSD para justificar esta reacção absolutamente desproporcional?

Ora, o momento revelador aconteceu em Julho do ano passado numa notícia que envolvia, retrospectivamente, o Paulo Rangel e o Rui Rio.

A notícia é esta: cf. aqui.

Na altura, deixei-a registada neste blogue: cf. aqui.

A notícia dizia que o Ministério Público (em Julho de 2019) estava a investigar os ajustes directos da Câmara Municipal do Porto (CMP) às sociedades de advogados. Aparentemente, alguém se queixou ao MP que a CMP, liderada por Rui Moreira, estaria a favorecer a sociedade Telles de Abreu & Associados.

Questionada pelos jornalistas, a CMP respondeu que no tempo em que Rui Rio foi presidente da CMP, a relação foi muito mais ostensiva com a sociedade de advogados Cuatrecasas de que  Paulo Rangel era o director no Porto. E dava números: nos últimos três anos do mandato de Rui Rio, a CMP pagou à Cuatrecasas 533 mil euros, uma média de 177 mil euros ao ano ou 14 700 euros ao mês.

Foi neste momento que eu fui de volta a um ramo muito interessante da Ciência Económica, que tem sido sobretudo cultivado nos EUA, e que tem o nome de "Economia da Justiça" (Economics of Justice). Essencialmente, este ramo da Economia vê a Justiça com o olhar do economista, o qual explica toda a acção humana em termos dos seus benefícios e custos esperados, sejam eles financeiros ou de outra ordem.

O meu ponto de partida era o facto de que foi o PSD que elevou o Rui Rio a presidente da CMP. Foi também o PSD que elevou o Paulo Rangel a eurodeputado. Foi por virtude do Paulo Rangel ser eurodeputado e uma figura importante do PSD (ele disputara a liderança do partido com Passos Coelho), que a Cuatrecasas o promoveu a director do escritório do Porto.

Foi, portanto,  o PSD que pôs o Rui Rio e o Paulo Rangel naquelas posições que permitiram, então, ao primeiro utilizar dinheiros públicos para garantir uma renda mensal de 14 700 euros à sociedade de advogados Cuatrecasas, dirigida pelo segundo, em troca de serviços de assessoria jurídica.

Se fossem pregos, nós podíamos contá-los, calcular o seu preço unitário e saber se foram facturados ao preço do mercado. Agora, horas de assessoria jurídica é algo que se esboroa nos dedos, não existe maneira objectiva de saber se foram ou não prestadas. Dada a relação partidária existente entre os dois contraentes, a presunção é a de que, mesmo que tivesse havido alguma prestação de serviços jurídicos, ela teria sido sobrefacturada.

Na realidade, a relação entre a CMP, presidida por Rui Rio, e o escritório do Porto da sociedade de advogados Cuatrecasas, dirigido por Paulo Rangel, tornar-se-ia aquilo que, meses depois, eu próprio descreveria como um forrobodó (cf. aqui), chegando a atingir quase 2500 horas de assessoria jurídica num só ano (cf. aqui).

Enfim, o PSD põe o Rui Rio a presidente da Câmara do Porto; o PSD põe o Paulo Rangel a eurodeputado e, por essa via, o PSD põe também o Paulo Rangel a director da Cuatrecasas; o PSD garante uma renda à sociedade de advogados Cuatrecasas...

É altura de perguntar:

-E o PSD não cobra nada?


(Contnua)

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