22 junho 2020

A corromper a justiça (3)

(Continuação daqui)


3. Maçãs podres


"Macieira da Justiça não foi afectada por quatro ou cinco maçãs podres" (cf. aqui)

Foi assim que o juiz António Joaquim Piçarra, presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) - o órgão de governação do juízes - e também presidente do Supremo Tribunal de Justiça, se referiu recentemente a um escândalo de corrupção envolvendo juízes do Tribunal da Relação da Lisboa.

Eu acredito, como o juiz António Joaquim Piçarra, que a corrupção não é um problema generalizado na judicatura portuguesa e que a esmagadora maioria dos juízes portugueses são pessoas íntegras.

Porém, dada a importância do poder judicial numa democracia - é o poder mais importante dos três poderes do Estado, legislativo, executivo e judicial  -, basta a existência de quatro ou cinco maçãs podres para abalar a confiança dos cidadãos na justiça e na própria democracia.

A questão a que pretendo responder neste post é, pois, a seguinte:

-O que é que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) tem feito para evitar que as maçãs apodreçam?

Muito pouco, a julgar pela avaliação recente do Conselho da Europa. Das seis medidas recomendadas por este Conselho em 2015 para prevenir a corrupção dos juízes, nenhuma está plenamente implementada. Portugal pertence ao grupo de países que menos têm feito para combater a corrupção entre os juízes, os magistrados do Ministério Público e os políticos.

Como já referi anteriormente, um Código de Conduta dos juízes seria um grande avanço na implementação das medidas anti-corrupção que dizem respeito aos juízes, mas o CSM desculpa-se dizendo que não tem poder legal para elaborar tal Código de Conduta.

Na realidade, esse Código de Conduta já existe, foi aprovado em 2009 em Congresso de Juízes, tendo sido uma iniciativa activamente divulgada pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) sob a designação de "Compromisso Ético dos Juízes Portugueses"  (cf. aqui).

Trata-se de um documento aberto, profundamente democrático, que assenta na experiência dos juízes de muitos países democráticos da Europa e do mundo, e que contrasta com a cultura atávica, autoritária e de pequena comunidade fechada que prevalece entre os juristas portugueses.

É talvez este choque cultural que impede o CSM de o adoptar como Código de Conduta dos juízes portugueses e de o impor disciplinarmente a todos os juízes do país.

O Compromisso Ético dos Juízes Portugueses (CEJP) é um código de conduta que visa proteger os atributos que, em democracia, um juiz deve possuir por forma a garantir a qualidade da justiça e a confiança dos cidadãos na justiça.

Esses atributos são a independência, a imparcialidade, a integridade, o humanismo, a diligência e a reserva.

Tivesse o CSM adoptado o CEJP como Código de Conduta dos juízes em 2009, quando ele foi aprovado, e talvez o escândalo recente, envolvendo o juiz Rui Rangel, e que levou à sua expulsão da magistratura, tivesse sido evitado.

Nos princípios respeitantes à Imparcialidade dos juízes, diz o CEJP:

"2. Os juízes rejeitam a participação em actividade extrajudiciais que ponham em causa a sua imparcialidade e que contendam ou possam vir a contender com o exercício da função ou que condicionem a confiança do cidadão na sua independência e na imparcialidade da sua decisão".

Quer dizer, se este princípio estivesse em vigor com força vinculativa, quando o juiz Rui Rangel, em 2012, se candidatou à presidência do Benfica (cf. aqui), o CSM tê-lo-ia prontamente advertido que tal candidatura era incompatível com a sua condição de juiz.

Porém, o CSM não fez nada porque ainda hoje está à espera - e assim vai ficar até à eternidade - de poder legal para adoptar um Código de Conduta para os juízes.

O CSM permitiu assim que o juiz Rangel continuasse com comportamentos que eram incompatíveis com a sua condição de juiz até ao extremo em que, em 2019, se viu na obrigação de o expulsar da magistratura (cf. aqui).

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