17 abril 2020

O Mistério dos Ventiladores (III)

(Continuação daqui)


III. Os milhões


A analogia entre a construção pelo Governo da ala pediátrica do HSJ e a compra pelo Governo de 500 ventiladores à China é multifacetada, como já referi anteriormente.

E uma das faces da analogia é precisamente o jornal Público.

Foi o Público, pela mão da jornalista São José Almeida,  que primeiro noticiou a compra heroica pelo Governo de 500 ventiladores à China pelo preço de dez milhões de dólares, embora hoje, três semanas volvidas, não se saiba ao certo onde é que param os ventiladores e muito menos os dez milhões.

A notícia do Público do mês passado era bombástica: "Ventiladores salvos através do BNU  de Macau" (cf. aqui).

Também foi o Público, mas pela mão da jornalista Margarida Gomes, que - numa altura em que o Governo bloqueava a obra da Associação Joãozinho há perto de um ano -  primeiro noticiou que seria o Governo, ele mesmo, a construir  a ala pediátrica do HSJ  por 21 milhões de euros, embora hoje, mais de três anos volvidos, não se saiba onde pára a ala pediátrica do HSJ e muito menos os 21 milhões.

A notícia do Público de Janeiro de 2017 era igualmente bombástica: "Governo liberta 21 milhões de euros para tirar crianças dos contentores no S. João" (cf. aqui).

Em ambos os casos há milhões envolvidos, mas a analogia tem de ser interrompida aqui porque, num caso, são milhões de euros e no outro milhões de dólares. E também porque, num caso, os milhões são "libertados" e no outro os milhões são "transferidos".

Na realidade, no âmbito da analogia, esta é talvez a diferença mais importante - a diferença entre milhões "libertados" e milhões "transferidos".

No caso da ala pediátrica do HSJ, fica-se com a ideia de que foi um funcionário das Finanças - talvez um secretário de Estado - que assomou a uma das janelas do Terreiro do Paço e "libertou" os 21 milhões de euros ao vento, os quais - quais pombos-correio -, eram supostos chegar direitinhos dias depois à Estrada Interior da Circunvalação no Porto, onde está situado o Hospital de São João.

No outro caso, tudo foi mais sofisticado. Foi uma equipa especial de governantes - julga-se que três secretários de Estado -,  que comandou a transferência dos 10 milhões de dólares para a China, envolvendo gestores da Caixa Geral de Depósitos, funcionários do Instituto de Gestão do Crédito Público, o embaixador português em Pequim e ainda um administrador do BNU-Macau que estava insolentemente a dormir (cf. aqui), enquanto os governantes e burocratas  portugueses, a partir de Lisboa, lutavam heroicamente e de pé pelos ventiladores até altas horas da madrugada.

Porém, estas pequenas nuances não devem afastar ninguém da analogia essencial. Mais de três anos depois de a Margarida Gomes ter noticiado no Público que o Governo tinha libertado 21 milhões de euros para fazer a ala pediátrica do HSJ, não se sabe onde param nem a ala pediátrica nem os milhões.

Da mesma forma que, três semanas depois de a São José Almeida ter reportado no Público que o Governo tinha transferido 10 milhões de dólares para a China para comprar 500 ventiladores, não se sabe ao certo onde param os ventiladores e muito menos os milhões.


(Continua aqui)

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