16 abril 2020

O Mistério dos Ventiladores (II)

(Continuação daqui)


II. Nada bom sinal


Ao longo dos últimos quatro anos eu assisti, pelo menos a meia dúzia de ondas noticiosas, cada uma durando vários dias, e suficientemente espaçadas no tempo, segundo as quais o Governo iria fazer e pagar a nova ala pediátrica do Hospital de S. João.

Uma delas ocorreu vai fazer em breve três anos. Foi no dia 1 de Junho de 2017, que é o Dia Mundial da Criança. Por essa altura, o Governo bloqueava há cerca de ano e meio a obra iniciada pela Associação Joãozinho.

Nesse dia, o Ministério da Saúde organizou uma cerimónia no HSJ, para a qual convocou a comunicação social, envolvendo a assinatura de um Memorando de Entendimento com vista à construção da ala pediátrica do HSJ.

O documento escalonava a obra entre 2017 e 2019, e precisava o montante do investimento a realizar em cada ano. Assinavam o documento o presidente do Hospital de S. João, o presidente da ARS-Norte e uma então obscura funcionária do Ministério da Saúde, na altura directora da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), chamada Marta Temido.

O episódio está contado neste post: cf. aqui.

Se tudo se tivesse cumprido, a ala pediátrica do HSJ já teria sido concluída no ano passado. Mas, na realidade, era tudo mentira, era puro espectáculo para a comunicação social, e que esta reportava sempre a gosto.

Quando há cerca de duas semanas li pela primeira vez o artigo da jornalista São José Almeida no Público acerca da alegada compra de 500 ventiladores a uma empresa chinesa por 10 milhões de dólares, pagos de forma heroica numa bela madrugada do início da Primavera (cf. aqui), foram várias as minhas reações.

Uma delas foi uma reação de surpresa por o artigo dar mais relevo aos procedimentos do pagamento do que à substância da transacção, que eram os ventiladores. Privilegiava-se a forma sobre a substância, um traço típico da cultura burocrática, visava-se impressionar mais do que concretizar, e isso não era nada bom sinal.

Nada se dizia sobre o tipo de ventiladores que tinham sido comprados (invasivos ou não-invasivos), a sua marca, o nome da empresa fabricante, se a empresa estava ou não certificada pela União Europeia, etc.

Foi logo aí que pensei: "Estes ventiladores devem ter tanta realidade como a ala pediátrica do HSJ".

E é por isso que ainda hoje, passado quase um mês, ando à procura dos ventiladores ou, em alternativa, dos 10 milhões de dólares:

-Onde é que estão os ventiladores?

ou:

-A quem é que foram pagos os 10 milhões de dólares?


(Continua aqui)

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