06 dezembro 2019

um fenómeno sobrevalorizado

É muito interessante o apelo da Igreja Católica, pela voz da Comissão Nacional Justiça e Paz (cf. aqui), a comportamentos éticos e à luta contra a corrupção quando a verdade é que - as estatísticas amplamente demonstram - a corrupção é maior nos países de cultura católica do que nos países de cultura protestante (cf. aqui).

Na realidade, para combater a corrupção, o melhor que a Igreja Católica tem a fazer parece ser imitar a cultura e, em certos aspectos, a teologia protestante. O próprio protestantismo surgiu no início do século XVI, pela mão de Martinho Lutero na Alemanha, em reacção à corrupção que grassava dentro da Igreja Católica.

Dito isto, a pergunta: Porque é que há mais corrupção nos países de tradição católica do que nos países de tradição protestante, tal como revelada pelo Corruption Perceptions Index (CPI) da Transparency International?

São duas as razões principais, mas antes de as apresentar, convém esclarecer que o CPI é um índice de percepções da corrupção ("Acha que no seu país há muita corrupção?") e não um indicador objectivo de corrupção, como seria, por exemplo, o número de condenações em tribunal por corrupção.

A primeira razão é que a cultura católica é uma cultura mais comunitária do que a cultura protestante, sendo esta mais individualista. A cultura católica dá mais importância à comunidade (família, grupo de amigos, corporação, etc.). do que a cultura protestante.  Por isso, quando se trata de adjudicar entre "nós" e os "outros", o português típico decide pelo "nós", decide em favor da sua própria família, dos seus próprios amigos ou da sua própria corporação.

O sentimento comunitário mais forte na cultura católica, em oposição ao sentimento mais individualista da cultura protestante, cria parcialidade e a tendência para decidir a favor dos nossos e  contra os outros. Ora, é precisamente esta parcialidade (ou ausência de imparcialidade) que explica a maior corrupção nos países de cultura católica por oposição aos países de cultura protestante.

A segunda razão é um pouco mais subtil, mas é ainda mais importante e mais interessante. A cultura protestante privilegia a igualdade entre as pessoas - e é dessa cultura, de resto, que provém a democracia. É o individualismo protestante que exprime esse traço cultural, em que cada pessoa é um mero indivíduo entre muitos outros iguais.

Pelo contrário, a cultura católica privilegia a diferença. É o personalismo católico segundo o qual o qual cada pessoa é dotada de uma personalidade que a torna diferente de todas as outras pessoas que existem, já existiram ou que venham a existir.

Por isso, quando perguntam ao cidadão de um país de cultura protestante se no seu país existe muita corrupção, ele começa por olhar para si próprio e não se vê como sendo corrupto. E, como acha que os outros são iguais a si, então, também achará que os outros não são corruptos. Portanto, responde: Não.

Pelo contrário, o homem de cultura católica, quando confrontado com a mesma questão, começa também por inquirir a si próprio se é corrupto, e responde negativamente. E como se vê a si próprio como sendo diferente de todos os outros, o facto de não se ver como corrupto "só prova" que os outros todos são corruptos. Por isso, reponde Sim.

Esta última razão é de molde a levar-nos a pensar que a posição mais modesta dos países católicos nos rankings do CPI face aos países protestantes traduz mais aparência do que realidade. A corrupção é provavelmente menor do que o CPI evidencia nos países católicos e maior nos países protestantes. Ou ainda: a corrupção é um fenómeno sobrevalorizado nos países católicos e subvalorizado nos países protestantes.

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