25 outubro 2019

Saco Azul (3)

(Continuação daqui)

3. Contabilidade


O saco azul é uma instituição ancestral e com uma longa tradição dentro dos organismos do Estado. Embora também possa existir no sector privado, é mais difícil surgir aí porque o patrão está por perto e não deixa.  Ao passo que no sector público, o patrão - que é a totalidade dos contribuintes -  está ausente e os funcionários públicos gerem a instituição como se fosse coisa sua.

Numa definição muito simples, o saco azul é uma bolsa de dinheiro clandestina que os gestores de instituições públicas às vezes criam para poderem gastar discricionariamente, fugindo aos rigores da contabilidade pública.

Goethe, que era um poeta, não obstante costumava dizer que a maior invenção da humanidade foi a contabilidade. Ora, a característica essencial do saco azul é a de não existir contabilidade acerca dele. Não há recibos, não há documentos de despesa, não há registos contabilísticos, para que nunca se possa saber quanto dinheiro foi recebido, e quanto dinheiro foi gasto, e onde, a fim de que a discricionariedade seja total.

O Hospital de São João, como instituição pública, está sujeito a regras contabilísticas estritas impostas pelo sistema de contabilidade pública. Quando criou o Joãozinho em 2009, visando angariar contribuições privadas para construir a ala pediátrica do hospital, deveria ter implementado um sistema de contabilidade exclusivamente para este projecto.

Aparentemente não o fez, o dinheiro dos mecenas entrava e era gasto sem uma contabilidade organizada, tornando difícil saber com exactidão quanto dinheiro foi angariado e quanto foi gasto e onde. E esta terá sido a prática ao longo de cinco anos, entre 2009 e 2013.

A primeira pergunta que o DIAP terá apresentado à administração do HSJ terá sido, portanto, esta:

-Mostrem-me a contabilidade do projecto Joãozinho desde 2009 até a Associação Joãozinho tomar conta do projecto em 2014.

E o Hospital de São João não a tinha. E, não a tendo, foi fabricá-la.

A principal peça dessa contabilidade fabricada é a lista de mecenas do projecto Joãozinho entre 2009 e o início de 2014 fornecida pelo HSJ à Sábado, e que terá sido também a lista enviada ao DIAP para responder ao pedido acima.

Segundo esta lista, o montante angariado nesse período foi de 625.511.41 euros. Como cerca de 549 foram entregues à Associação Joãozinho, restam cerca de 76 mil que foram gastos de angariação, um montante perfeitamente razoável (12% do total angariado).

Quer dizer, dos 4 milhões que estavam angariados há dez anos passa-se agora para uma verba (625 mil) que é perfeitamente compatível com a verba transferida para a Associação Joãozinho (549 mil)

Existe apenas um senão. É que, quando, à distância de 10 anos, se decide fabricar a contabilidade de um saco azul - cuja essência é precisamente a de não ter contabilidade -,  o resultado vai ser desastroso. É gato escondido com rabo de fora.


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