05 outubro 2019

O Juiz-Pistoleiro (10)

(Continuação daqui)


O Juiz-Pistoleiro
(Novela)


Cap. 10. O herói


Ainda a quarta sessão do julgamento de Joe Pistolas não tinha quarenta minutos e o magistrado Toni Guimarães já tinha contabilizado 1047 crimes, dos quais 126 tinham ocorrido no mesmo instante, ao minuto 37. Foi quando a assistência presente no tribunal explodiu numa estrondosa e entusiástica ovação. "Falta de respeito ao tribunal, 126 arguidos", anotou o magistrado Guimarães.

Na realidade, estava a ser uma sessão extraordinariamente atribulada nessa manhã no tribunal de Littlebushes. O juiz Francis dos Coldres entrara solenemente na sala empunhando duas pistolas, uma em cada mão, e com um apito na boca. Atrás dele, com a maior solenidade também, entrou o magistrado Guimarães, sugerindo a Joe Pistolas, a partir do banco dos réus, uma dúvida legítima:

-Por que será que aquele gajo anda sempre a cheirar o rabo ao juiz?...

O tribunal de Littlebushes funcionava num edifício novo. A secção do crime ocupava o rés-do-chão, com quatro amplas salas de audiências. Entre o banco dos réus e a tribuna do juiz onde, para mistério de Joe Pistolas, também se sentava Toni Guimarães, o magistrado do Ministério Público, existia um espaço amplo.

Este espaço era ocupado, ao centro, pela escrivã - uma simpática senhora chamada Carlota - com o seu equipamento de gravação da audiência, e escrevendo permanentemente coisas que ninguém sabia o que eram. Nas partes laterais, estavam as secretárias dos advogados, à esquerda de quem estava de frente para a tribuna, a do Dr. Adriano, que estava acompanhado pelo filho, e à direita, a  da Maria Odete.

Assim que se sentou, o juiz Francis, com voz autoritária, ordenou que todo aquele espaço fosse desocupado. Num ápice surgiram empregados do tribunal para tirar dali as secretárias, as cadeiras e o equipamento de gravação, ao mesmo tempo que a  D. Carlota, a Maria Odete e o filho do Dr. Adriano desapareciam dali.

O Dr. Adriano foi o último a abandonar o espaço, enquanto declarava solenemente para o juiz:

-Que seja feita a Vossa Majestática vontade... Senhor Ilustríssimo, Venerandíssimo e Meritíssimo Juiz...

O juiz queria o espaço livre para refazer a cena do crime.

E foi nessa altura que ele próprio saltou da tribuna de pistolas nas mãos, ordenou ao réu que se chegasse à frente, entregou-lhe uma pistola, e disse:

-Vamos a um duelo!

Olhou para um senhor de gravata que estava na assistência, ordenou-lhe que se levantasse, entregou-lhe o apito e disse:

-Você vai ser o árbitro!

Há pelo menos cinco anos que o juiz Francis dos Coldres, cuja melhor marca era de 342 centésimos de segundo a puxar o gatilho, sonhava bater-se em duelo com o seu ídolo JPS, o campeão mundial da modalidade, que tinha a impressionante marca de 18 centésimos de segundo, e já liquidara 36 adversários em duelo, segundo o seu currículo oficial.

Ganhar ao JPS seria a maior glória da vida do juiz Francis. E a oportunidade tinha chegado quando ele menos esperava. Tudo se conjugava para que ele saísse em glória.

O juiz Francis já tinha ganho numerosos processos por ofensas em tribunal quando ele próprio era o inspector dos juízes que julgavam os processos. Fazer um duelo com o JPS, sendo ele próprio o juiz e o JPS  o réu, sob a ameaça de lhe dar prisão perpétua (e ainda, em cúmulo jurídico, cadeira eléctrica, como reclamava o magistrado Guimarães) era garantia certa de vitória.

Desta vez os jornais do país iriam reportar sobre ele, e seria pelas boas razões. Desta vez ele seria um verdadeiro vencedor, e não um vencedor batoteiro como nos processos que ganhava em tribunal, alguns contra o sexo fraco,  o último - imagine-se - contra a sua própria madrasta, dez anos mais nova do que ele. Desta vez ele seria o herói, e não o vilão.

(Continua aqui)

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