Prostituição e Abolicionismo
III. Zombies
Quando, em meados dos anos 80, o economista americano Lawrence Harrison se propôs desvendar a razão por detrás do subdesenvolvimento da América Latina, em breve chegou à conclusão de que era a sua cultura católica (cf. aqui). E, pondo-se a observar o comportamento dos latino-americanos, chegou à conclusão de que a eles "As coisas acontecem-lhes. Eles não as fazem acontecer".
É esta vitimização, em que as pessoas se vêem a si próprias como vítimas da vida, mais do que como agentes activos da sua própria vida, tão característica da cultura católica, que perpassa por todo o artigo do juiz Pedro Vaz Patto sobre a prostituição (cf. aqui).
Diga-se que a estrutura do artigo permaneceria basicamente inalterada se, em lugar de tratar de prostitutas, tratasse de mulheres divorciadas maltratadas pelo casamento, ou de ex-focolarinas abusadas pelos Focolares (embora, neste último caso, as violências sejam mais de natureza espiritual do que corporal). A única diferença é que a conclusão final, em lugar de recomendar a abolição da prostituição, recomendaria a abolição do casamento ou do Movimento dos Focolares.
No entanto, não é essa imagem de vitimização que se colhe quando se abrem as páginas centrais do Correio da Manhã, ou do Jornal de Notícias, ou quando se acede a certos sites da internet. Pelo contrário, a imagem que emerge é a de um mercado alegre, próspero e provocador, que os economistas descreveriam como estando organizado sob a forma de concorrência monopolística.
O argumento da vitimização, às vezes descrito como "o argumento do coitadinho" emerge em toda a plenitude a meio do artigo quando o juiz Pedro Vaz Patto escreve:
"Todas elas [prostitutas] afirmaram que nunca conheceram no meio alguma mulher que encarasse essa actividade como uma escolha que respondesse a alguma forma de realização pessoal"
Numa época de mães solteiras e divorciadas, nem mesmo aquelas que optaram pela prostituição para sustentar os seus filhos encontraram aí alguma forma de realização pessoal?
Se a prostituição não é uma escolha da própria mulher guiada por algum ideal de realização pessoal, aquilo que imediatamente ocorre é perguntar porque é que essas mulheres optaram pela prostituição.
Na descrição vitimizadora que delas o faz o juiz Pedro Vaz Patto a única resposta que consigo imaginar é um encolher resignado de ombros e um acéfalo "Porque sim".
E chegamos ao ponto principal do artigo. As prostitutas de que fala o juiz Vaz Patto não são mulheres, quer dizer, seres humanos dotados de um cérebro e de uma razão que lhes permitam fazer escolhas na vida num clima de liberdade e capazes de assumir a responsabilidade pelos riscos que essas escolhas comportam.
Não. As prostitutas de que fala o juiz Vaz Patto são zombies, acéfalas e portanto irresponsáveis, que vivem a vida aos trambolhões, empurradas pelas circunstâncias, sem nunca serem actrizes da sua própria existência e donas do seu próprio destino.
Estas zombies necessitam, naturalmente, de alguém que as proteja, como o juiz Pedro Vaz Patto e a organização que ele representa. Uma organização que seja de preferência financiada pelo Estado e com deslocações pagas a congressos por esse mundo fora.
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