16 agosto 2019

Histórias de horror

Prostituição e Abolicionismo


I. Histórias de horror



No debate das ideias - inicialmente religiosas, mas depois também políticas, filosóficas e científicas - que se travou entre o protestantismo e o catolicismo a partir do século XVI, o catolicismo sofreu uma derrota de bradar aos céus.

A tal ponto que só conseguiu lidar com a situação proibindo o debate das ideias e instituindo a Inquisição, uma infeliz tradição que, nos países que estiveram do lado católico como Portugal, ainda hoje se mantém.

Esta desabituação do debate racional de questões de interesse público por parte dos países de tradição católica  - se é que alguma vez tiveram a oportunidade de se habituar a ele - teve um custo enorme para o desenvolvimento posterior destes países na ciência, na economia, na filosofia, na própria vida democrática em sociedade.

Sem cultura de debate racional, mistura-se aquilo que é importante com aquilo que não tem importância nenhuma, dá-se ao ignorante e ao preguiçoso um lugar no debate idêntico àquele que se concede a quem se preparou para ele, mete-se a emoção onde devia estar a razão, e o resultado final é a anarquia intelectual, onde todas as conclusões são igualmente válidas, e a desvalorização da própria razão.

Entre os argumentos que o juiz Vaz Patto apresenta neste artigo (cf. aqui) para defender a proibição da prostituição - e o único de que me ocuparei neste post -  está o das chamadas "histórias de horror".

Chamam-se a depôr mulheres que tiveram más experiências com a prostituição, procura-se com isso impressionar a assistência e arrastá-la, pela emoção, ao destino a que se pretende levá-la preconcebidamente desde o início  - a proibição da prostituição. Trata-se de uma estratégia argumentativa em que se substitui a razão pela emoção e que, por isso mesmo, em termos de debate racional, não tem valor nenhum.

Histórias de horror todas as mulheres e homens as têm e nas mais diversas actividades. Para não ir mais longe, quantas mulheres - agora que está na moda expôr em público a violência doméstica - têm histórias de horror para contar acerca do seu próprio casamento? E, no entanto, ninguém se lembraria de propor a abolição do casamento por causa destas histórias de horror.

O próprio juiz Vaz Patto faz parte de um movimento laico dentro da Igreja Católica, o Movimento dos Focolares - que muitos qualificam como uma "seita" - acerca do qual se contam verdadeiras histórias de horror.

É o caso da ex-focolarina  Renata Patti (cf. aqui) que conseguiu sair dos Focolares para contar a sua própria história de horror.  A mesma sorte não teve a outra ex-focolarina (Marisa Baù), a quem ela dedica o seu depoimento. Esta, aparentemente,  não teve forças para sair do Movimento e suicidou-se. (Nas "seitas" é muito fácil entrar mas muito difícil sair).

Porém, apesar destas histórias de horror, ninguém, no seu perfeito juízo, se lembraria de propor a abolição do Movimento dos Focolores.

Por que é que há-de ser diferente com a prostituição se, tal como no casamento e nos focolares, as mulheres (e os homens) aderem a ela de sua própria e livre vontade?

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