O juiz entrava por uma porta lateral e, logo atrás dele, entrava o magistrado X, o acusador oficial.
Os crimes, como se sabe, eram enormes: ofensas ao eurodeputado Paulo Rangel e à sociedade de advogados de que era director - a Cuatrecasas -, proferidas nos écrans do Porto Canal por terem boicotado a obra do Joãozinho (cf. aqui).
O juiz sentava-se na tribuna e o magistrado X sentava-se à direita dele, num lugar de honra.
Num plano inferior, à direita da tribuna, sentava-se a acusação particular, o Papá Encarnação e o seu rebento. Do lado oposto, a advogada de defesa.
Em frente ao juiz, a cinco metros de distância, estava o réu, de costas para a audiência (que foi sempre escassa).
Um juiz, um réu. As partes: dois acusadores - um estatal outro particular - e apenas uma defensora.
-Que equidade, dois contra um!...
pensei eu várias vezes.
Ao intervalo, o juiz saía por uma porta lateral e o magistrado X saía atrás dele, recolhendo-se ambos a uma sala contígua. Todos os outros participantes ou ficavam na sala de audiências ou vinham para o átrio do tribunal.
-O que é que o magistrado X estará a cochichar com o juiz?,
pensava eu várias vezes enquanto decorria o intervalo.
A cena repetiu-se sempre ao longo de quatro meses e oito sessões do julgamento sem que eu alguma vez tenha visto a defesa a cochichar com o juiz.
-Que equidistância entre o juiz e as partes!...
reflectia eu.
Findo o intervalo, o juiz entrava pela porta lateral e o magistrado X entrava atrás dele.
Na interrupção para o almoço, o juiz saía pela porta lateral e o magistrado X saía atrás dele.
No regresso do almoço, o juiz entrava pela porta lateral e o magistrado X entrava atrás dele.
Cansado de ver aquele espectáculo, lembro-me de uma vez, sentado no banco dos réus, ter perguntado a mim próprio:
-Por que é que aquele tipo anda sempre ali a cheirar o rabo ao juiz?
A resposta não é difícil de imaginar.
É neste ritual que se faz justiça penal em Portugal. A equidade, a equidistância entre o juiz e as partes, e o potencial para uma decisão imparcial do juiz são, como se pode imaginar, enormes.
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