04 março 2019

Neto de Moura e a Liberdade (III)

(Continuação daqui)

III. Voltaire


Quando nas suas alegações finais, o magistrado do Ministério Público - o meu saudoso magistrado X -, dirigindo-se ao juiz, afirmou "O réu está, desde o início, convencido que será absolvido...", eu tive uns dos momentos de maior prazer naquele julgamento, porque era verdade, embora a frase tivesse sido pronunciada com a intenção de induzir o juiz a condenar-me.

Das duas vezes em que tive oportunidade de falar, a primeira respondendo às perguntas do juiz e dos advogados, na segunda, cinco meses depois, nas alegações finais, eu falei com a convicção e firmeza próprias de quem estava certo da sua inocência e a ser alvo de uma farsa judicial. E, se o que me tinha levado ali, eram ofensas aos advogados da Cuatrecasas, nas alegações finais juntei pelo menos mais uma e de forma reiterada: "São uns incompetentes!"

Antes do julgamento, anunciei à minha advogada que, assim que me fosse dada a palavra, iria expor a jurisprudência do TEDH, adoptada pelo Tribunal da Relação do Porto, para mostrar que aquele julgamento não tinha razão de ser, que eu estava absolvido ab initio. Ela levou as mãos à cabeça, e disse-me que isso poderia parecer ofensivo para o juiz e para o magistrado do Ministério Público.

Acabei por adoptar uma solução intermédia, mas, quando estava no melhor da minha exposição, o juiz parou-me. Não convinha que o réu fosse juiz. De qualquer forma, em retrospectiva, não tenho hoje dúvida em proclamar que, de todos os intervenientes no julgamento, aquele que sabia mais sobre a jurisprudência do caso era precisamente o réu.

Foi essa certeza da minha inocência que me fez comentar o julgamento neste blogue à medida que ele se foi desenrolando, e também então tive momentos de prazer, desconcentrando por completo a acusação que, durante várias sessões consecutivas se queixava ao juiz que eu andava a comentar o julgamento em público, como se isso fosse crime.

E, num momento em que, devido provavelmente à pressão e à extensão que o julgamento tinha tomado, a minha advogada pareceu fraquejar, fui eu próprio que a confortei dizendo: "Não se preocupe, se fôr condenado aqui, serei absolvido na Relação". (cf. aqui).

Aquilo que me dava a certeza da minha absolvição, e até uma certa sobranceria, era evidentemente a jurisprudência do TEDH, mas mais proximamente ainda os acórdãos que eu tinha estudado da Relação do Porto, para onde o caso seguiria se eu fosse condenado em primeira instância. À luz dessa jurisprudência e desses acórdãos, o meu caso era um caso de escola.

Foi nessa altura que soube da existência do juiz Neto de Moura, quando estudei um dos seus acórdãos, que já citei anteriormente (cf. aqui). O juiz Neto de Moura estava do lado da liberdade e da justiça, e contra a opressão e a injustiça. Fiquei feliz por saber da existência do juiz Neto de Moura, mesmo sem o conhecer pessoalmente, situação que, como é óbvio, ainda hoje se mantém.

Mas o juiz Neto de Moura não estava sozinho. Os seus pares na Relação do Porto partilhavam os mesmos princípios. E se eu estava a ser violentado pelo Paulo Rangel e seus amigos do partido foi um outro acórdão da Relação do Porto, onde a figura central era agora o seu compagnon de route Rui Rio, que me fez abrir os olhos de admiração.

Até hoje é o mais grandioso acórdão de todos quantos li sobre o assunto. Foi escrito no Porto, não em Lisboa nem sequer em Estrasburgo. Talvez por ser um acórdão que cita Voltaire e uma das suas frases mais famosas em defesa da liberdade de expressão: "Posso discordar do que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito a dizê-lo" (cf. aqui).

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