06 junho 2018

hereges

Um dos meus posts em baixo (este) tem um fim pedagógico. Tem em vista mostrar que existe uma longa tradição na cultura portuguesa que é adversa à liberdade de expressão em público, porque é quando se exprime em público que o herege é perfeitamente identificado e passa a constituir uma ameaça para os interesses estabelecidos. (A definição de heresia está aqui).

Esta tradição é profundamente antidemocrática porque a mãe da democracia moderna é precisamente a liberdade de expressão (pública), a qual tem primeiramente em vista contestar os interesses estabelecidos em nome do bem-comum mas que, na realidade, não são coincidentes com o bem-comum.

A liberdade de expressão é a condição sine qua non da democracia, significando que a democracia em Portugal não está assegurada enquanto o Ministério Público (que corresponde à antiga Inquisição) tiver os poderes que tem e, em particular, o poder para perseguir criminalmente os hereges.

Cristo foi um herege e foi condenado por isso, e o fundador da democracia moderna (Lutero) também.

É em relação com este tema que eu gostaria de voltar ao meu julgamento e àquele que considero ser o seu segundo momento mais importante. Foi quando o Dr. Nuno Botelho, ex-aluno do Dr. Paulo Rangel e presidente da Associação Comercial do Porto (ACP), na sua ânsia de exaltar as qualidades do "Professor" e da Cuatrecasas, disse em tribunal que a ACP recorria aos serviços da Cuatrecasas. Nesse momento, eu saltei no banco dos réus.

Quando pronunciei o meu comentário televisivo (Maio de 2015) eu sabia que o Paulo Rangel e o Avides Moreira (respectivamente, director e subdirector da Cuatrecasas) pertenciam à direcção da ACP, uma situação que ainda hoje se mantém. Mas era tudo, e não pensei mais no assunto, em parte porque não tinha a informação que o Nuno Botelho veio revelar em tribunal.

É caso para perguntar o que é que dois advogados, ambos directores da Cuatrecasas, sendo um deles também eurodeputado, fazem na direcção de uma associação de comerciantes. Em breve se chega à resposta.

Declarações do Dr. Nuno Botelho, em notícias e entrevistas que estão na internet,  fazem concluir que a ACP se financia sobretudo através de fundos comunitários. A presunção é, pois, a de que o eurodeputado Paulo Rangel está na direcção  da ACP para facilitar o acesso a esses fundos, tanto mais que a Cuatrecasas também possui um escritório em Bruxelas.

E será que ele se faz retribuir pela utilização que faz da sua condição pública de eurodeputado para obter benefícios para uma instituição privada, como é a ACP? Tudo indica que sim, sendo presumivelmente remunerado pelo lugar que ocupa na direcção da ACP, nem que seja indirectamente através da Cuatrecasas.

Mas é precisamente agora  que surge a parte mais chocante e que está relacionada com a revelação do Nuno Botelho em tribunal, e que é a seguinte: a ACP é cliente da Cuatrecasas.

O conflito de interesses é gigantesco - o fornecedor de serviços senta-se na direcção da instituição sua cliente. Como é que se decide na ACP a quem é entregue o fornecimento de serviços jurídicos? E como é decidido o preço a pagar por eles?

Mas isto não é sequer o mais importante. O mais importante é que se cria a presunção de que o Paulo Rangel se faz pagar a dois carrinhos - como director da ACP e depois também como director da Cuatrecasas, ainda que, por economia de escopo, seja somente através de uma delas - pelos serviços que presumivelmente presta à ACP no desempenho de uma função pública, como é a de eurodeputado.

Em suma, com uma elevadíssima probabilidade para não dizer certeza, uma parte dos fundos comunitários acaba no bolso do eurodeputado Paulo Rangel e da sociedade de advogados Cuatrecasas.

É para isto que a União Europeia atribui fundos a Portugal?

O magistrado X não viu aqui nenhum indício do crime de tráfico de influências, e ainda bem porque eu não tenho nenhum desejo de criminalizar o Paulo Rangel ou seja quem fôr.

O magistrado X estava demasiado concentrado no crime que eu cometi - o de não ter o devido respeito pelos políticos e  pelos advogados do regime.

Como é que havia de ter com exemplos destes?

1 comentário:

Vítor Pereira disse...

Era bom que alguém tentasse simplificar o nosso código penal para retirar alguns desses inúteis que nada de bom acrescentam ao país