08 abril 2018

Comemese-o!...

Foi num destes últimos verões, tinha começado a época de praia.

Eu e a minha mulher chegámos junto da Cecília para lhe comprar bolos para os netos.

Não havia muitos clientes nesse dia, e ficámos ali uns minutos à conversa com ela. Ainda não a tínhamos visto nesse Verão.

Já conhecemos a Cecília há muitos anos, vai para trinta. Já lhe comprámos bolos para os filhos, agora compramos-lhe bolos para os netos.

A Cecília é a figura mais conhecida da praia de S. Martinho do Porto. Em relação a muitos dos pequenos clientes que hoje em dia, e em cada Verão, a procuram na praia, ela já vendeu bolos aos seus avós quando eram crianças ou adolescentes.

Nesse Verão, ela estava muito indignada. O chefe da capitania da Nazaré, à qual S. Martinho pertence, tinha-a proibido de vender bolas de Berlim com creme, executando ordens da ASAE.

A indignação dela tinha subido ao rubro semanas antes quando, no Centro de Saúde, encontrou a sua colega da Nazaré. Na Nazaré, a venda de bolos na praia é explorada por mãe e filha, e era com a mãe que a Cecília se encontrara.

É que na praia da Nazaré o comandante da capitania não tinha proibido coisa nenhuma. E a Cecília não podia entender tamanha discriminação.

Enquanto ela falava, eu próprio procurei racionalizar as coisas. As mulheres da Nazaré têm fama de não ser pêra doce. Existe mesmo uma rivalidade ancestral entre a Nazaré e S. Martinho do Porto.

A Nazaré é uma terra popular por excelência. Tudo é popular na Nazaré, as pessoas, a comida, as casas, o comércio, os preços - sobretudo os preços para quem vai de férias. E até o Benfica.

Pelo contrário, S. Martinho, ali a doze quilómetros de distância, tem pretensões aristocráticas que eu atribuo, em parte, à cultura tauromáquica da região do Ribatejo. A tal ponto que a praia de S. Martinho, provavelmente fruto da malícia popular da Nazaré, é conhecida como O Bidé das Marquesas.

Talvez fosse mais fácil fazer cumprir a lei em S. Martinho do que na Nazaré, sem desencadear uma rebelião popular em torno das bolas de Berlim, concluí eu.

Enquanto me dava a estas reflexões, a Cecília continuava a falar para a minha mulher e a indignação dela não parava de aumentar. A tal ponto que, a certa altura, procurou reproduzir ipsis verbis as palavras que, na sala de espera do Centro de Saúde, a sua colega nazarena proferiu em relação ao comandante da capitania:

-Ele que vá lá proibir-nos isso ... que nós matamese-o!...

É assim na Nazaré.

Eu e a minha mulher estávamos prontos a terminar a conversa, quando a Cecília fez um silêncio,  pareceu reflectir, e fez uma pequena correcção ao que dissera:

-Não... ela não disse matamese-o ... ela disse comemese-o!...

E foi assim que nos separámos.

Eu conheço agora duas mulheres - e não são da Nazaré -, que, em relação ao Dr. Avides Moreira, director da Cuatrecasas no Porto - e não ao comandante da capitania da Nazaré -, convergem em tudo acerca dele, depois do seu depoimento no Tribunal na passada Quarta-feira.

Uma esteve lá e ouviu em directo, a outra já tomou conhecimento, e ao detalhe. Vão-se encontrar as duas na próxima Terça-feira, e eu também vou estar presente para depois relatar.

Existe uma identidade absoluta de pontos de vista entre elas acerca da pessoa do Dr. Avides Moreira.

Elas só divergem no destino que lhe vão dar.

Uma diz para a outra:

-Matamese-o!...

A outra está mais inclinada para uma solução alternativa. E diz:

-Comemese-o!...

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