22 agosto 2017

o burro do Castro

Eu há dias recomendei ao Toni que vá criminalizar a prima dele, embora jamais me possa ocorrer recomendar à Cati que faça o mesmo ao primo dela.

Depreciar o Toni é uma liberdade que me assiste a mim em relação a ele,  mas também a ele em relação a mim.  Cristo também depreciou, e fê-lo sempre com razão. É a primeira defesa do diabo que, na ética cristã, existe contra os abusos. A outra - a mais radical de todas - só é aceitável como resposta.

Agora, um de nós pôr o outro discricionariamente na prisão - ou andar a brincar à Justiça usando-me a mim como peão -  é que é uma liberdade que só assiste ao Toni, e não a mim. Pelo que, enquanto os pratos desta balança não estiverem equilibrados, a história vai continuar.

E é precisamente sobre a moral da história que eu gostaria de falar neste post - tanto mais que ela tem vindo entrecortada por outra história -, dirigindo-me aos leitores mais distraídos e que tenham perdido o significado essencial dos últimos capítulos.

É uma história de igualdade - esta entre o Peter Throw e o burro Castro -, e uma história de igualdade que começa nest post - curiosamente o post mais lido na semana terminada hoje. Muitos leitores do Portugal Contemporâneo terão pressentido - e pressentiram bem - que este era um momento definidor da história.

Sentindo que Peter Throw tem uma amiga à sua espera em Cancun, uma espera que o faz feliz, Castro - o burro - fica ressentido, e recusa-se a andar. Peter descobre de imediato a igualdade fundamental que existe entre ele e o burro, e acena-lhe com uma burra. Mas só o consegue demover quando lhe promete uma burra especial, uma burra diferente - uma burra mirandesa.  Mesmo pondo em risco a sua segurança pessoal, a promessa cumpre-se.

Não existe cultura mais igualitária do que a cultura católica, uma cultura onde um homem até é capaz de reconhecer a sua igualdade fundamental com um burro. A afirmação pode parecer surpreendente porque o sentimento moderno de igualdade, expresso no movimento ideológico do socialismo, provém dos países protestantes do norte da Europa.

Todos os fundadores do socialismo, seja na sua forma mais radical - o comunismo  - seja na sua forma moderada - o socialismo democrático ou social-democracia -  são prussianos e provêm da cultura luterana da Prússia - Kant,  Hegel, Marx, Bebel, Lassalle, etc., até o próprio Lutero.

Para além da Prússia, esta cultura luterana e socialista está hoje expressa na sua forma mais genuína  nos países nórdicos - Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia - já que a Alemanha ficou para sempre dividida com o catolicismo ao sul. É esta cultura que nos últimos quarenta anos tem feito grandes avanços em Portugal.

É importante dizer, porém, que este apelo à igualdade que vem dos povos do norte da Europa é um apelo a uma igualdade superficial e aparente, e é o mesmo apelo igualitário que vem do judaísmo que, de resto, influenciou fortemente o protestantismo luterano. Eles apelam à igualdade porque se sentem radicalmente diferentes dos outros povos - e, naturalmente, superiores.

Nunca o socialismo poderia ter tido origem na cultura católica, que é a cultura cristã de verdadeira igualdade. Nesta, o apelo é à diferenciação - que se exprime na ideia de personalidade e na doutrina do personalismo católico. Só pessoas que se sentem radicalmente iguais podem aspirar - às vezes tão desesperadamente - a ser diferentes.

Esta diferença entre o igualitarismo genuíno da cultura católica e o igualitarismo meramente aparente da cultura protestante e socialista pode exprimir-se, na forma mais breve que conheço, num episódio concreto passado há poucos anos na Suécia. A fonte é credível porque é um filho meu.

Um grupo de jovens médicos portugueses foi à Suécia para um congresso. No final, os seus colegas suecos organizaram uma party com o aviso byob (bring your own bottle). Durante a festa, no meio da conversa e da alegria, um português deitou a mão a uma garrafa que estava sobre a mesa e serviu-se. Logo veio um sueco aflito dizer-lhe para não fazer aquilo porque aquela garrafa era de um outro (sueco).

O português ficou embarassado - nem podia acreditar. Passadas semanas, foi a vez dos suecos virem a Portugal. Ficaram muito admirados quando notaram que as garrafas que estavam na mesa podiam ser livremente consumidas por todos.

É neste profundo sentido de comunidade que se exprime o sentimento de igualdade fundamental da cultura católica. Pois se aquele que tem dinheiro para comprar uma garrafa e a levar para a festa gosta de beber, aquele que não tem - mas que está ali à volta da mesa - também há-de gostar.

Era isto que era incompreensível para os suecos. Eles serão até capazes de formar um partido político pela igualdade de beber, exigindo do Estado que dê dinheiro a todos para que todos possam beber. Dar da garrafa deles, é que não. É privativa. A igualdade deles é só da boca para fora, não da boca para dentro.

Os personagens do Peter Throw e do burro Castro ganham facilmente realidade no seio da cultura católica. São absolutamente inimagináveis na cultura do protestantismo luterano e do socialismo. Em primeiro lugar, porque eles lá já acabaram com os burros. Em segundo lugar, porque o burro do Castro, e outros burros como o Castro, há muito que acabaram também com os Peter Throws.

E com as touradas.

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