12 julho 2017

Receios (VI): ofendem, chocam ou inquietam

A democracia política é um regime de luta - e aqui se manifesta o seu primeiro e mais importante atributo masculino -, um regime de luta por ideias e projectos de sociedade. É uma luta de ideias que se desenvolve entre partidos e facções, na arena pública, e que inevitavelmente envolve a depreciação das ideias adversárias e das pessoas que as patrocinam.

Quem entra nesta arena tem de estar pronto para o pior e ouvir aquilo que não gosta. Tratando-se de um político partidário, é ele próprio que se oferece à população para que a população o julgue e vote nele. Mas ninguém está obrigado a julgá-lo favoravelmente e a votar nele, e qualquer um é livre de o julgar de forma desfavorável, aplicando-lhe os adjectivos que achar conveniente.

Ninguém é chamado a justificar o seu voto nas urnas. Se um cidadão vota no partido A, ninguém lhe pode exigir que ele explique que o partido A é, em verdade, aquele que melhor representa os interesses da nação. Da mesma forma que ninguém  pode exigir a um cidadão que  justifique a verdade do julgamento que faz acerca de um  político. Afinal, não foi o político que lhe entrou pela casa dentro, através da televisão ou dos jornais,  pedindo-lhe que o ele o julgasse?

O regime político da democracia não é um regime da verdade. É um regime da opinião. E a opinião pode ser favorável ou desfavorável acerca de um político, de um partido ou de qualquer outra figura ou instituição pública. Para que este regime possa funcionar é indispensável que qualquer cidadão possua ampla liberdade de expressão.

Não surpreende a jurisprudência vigorosa do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) nesta matéria:

"A liberdade de expressão vale não somente para as informações ou ideias favoráveis, inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam" (aqui, pp. 143 e segs.),

acrescentando logo de seguida que o direito à liberdade de expressão ganha ainda maior amplitude quando o visado é um político.

O vigor da jurisprudência do TEDH  faz justiça aos milhões de homens (foram sobretudo homens) que, ao longo dos últimos séculos, morreram no centro da Europa para  (certa ou erradamente) imporem os seus ideais democráticos face ao poder absoluto dos reis e dos ditadores.

A democracia liberal é um regime feito por homens e à imagem da natureza masculina, feito de luta e, portanto, de depreciações e, nos momentos mais exaltados, também de agressões verbais (já que as físicas não são toleradas). Naturalmente, as mulheres também podem nele participar, mas sendo mais sensíveis à sua imagem pública, fazem-no por sua conta e risco.

O que este regime político não é certamente é para virgens. Seguramente que não para virgens  ofendidas. Estas, o melhor que têm a fazer é ficar em casa.

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