10 abril 2016

colaboração activa

INTRODUÇÃO

1. Perita em humanidade, a Igreja está sempre interessada por tudo o que diz respeito ao homem e à mulher. Nestes últimos tempos, tem-se reflectido muito sobre a dignidade da mulher, sobre os seus direitos e deveres nos diversos âmbitos da comunidade civil e eclesial. Havendo contribuído para o aprofundamento desta temática fundamental, sobretudo com o ensinamento de João Paulo II,1 a Igreja sente-se hoje interpelada por algumas correntes de pensamento, cujas teses muitas vezes não coincidem com as finalidades genuínas da promoção da mulher.
O presente documento, depois de uma breve apresentação e apreciação crítica de certas concepções antropológicas hodiernas, entende propor algumas reflexões inspiradas pelos dados doutrinais da antropologia bíblica — aliás indispensáveis para a salvaguarda da identidade da pessoa humana — sobre alguns pressupostos em ordem a uma recta compreensão da colaboração activa do homem e da mulher na Igreja e no mundo, a partir dessa sua mesma diferença. Pretendem estas reflexões, ao mesmo tempo, propor-se como ponto de partida para um caminho de aprofundamento no seio da Igreja e para instaurar um diálogo com todos os homens e mulheres de boa vontade, na busca sincera da verdade e no esforço comum de promover relações cada vez mais autênticas.

I. O PROBLEMA
2. Nestes últimos anos têm-se delineado novas tendências na abordagem do tema da mulher. Uma primeira tendência sublinha fortemente a condição de subordinação da mulher, procurando criar uma atitude de contestação. A mulher, para ser ela mesma, apresenta-se como antagónica do homem. Aos abusos de poder, responde com uma estratégia de busca do poder. Um tal processo leva a uma rivalidade entre os sexos, onde a identidade e o papel de um são assumidos em prejuízo do outro, com a consequência de introduzir na antropologia uma perniciosa confusão, que tem o seu revés mais imediato e nefasto na estrutura da família.
Uma segunda tendência emerge no sulco da primeira. Para evitar qualquer supremacia de um ou de outro sexo, tende-se a eliminar as suas diferenças, considerando-as simples efeitos de um condicionamento histórico-cultural. Neste nivelamento, a diferença corpórea, chamada sexo, é minimizada, ao passo que a dimensão estritamente cultural, chamada género, é sublinhada ao máximo e considerada primária. O obscurecimento da diferença ou dualidade dos sexos é grávido de enormes consequências a diversos níveis. Uma tal antropologia, que entendia favorecer perspectivas igualitárias para a mulher, libertando-a de todo o determinismo biológico, acabou de facto por inspirar ideologias que promovem, por exemplo, o questionamento da família, por sua índole natural bi-parental, ou seja, composta de pai e de mãe, a equiparação da homossexualidade à heterossexualidade, um novo modelo de sexualidade polimórfica.
3. A raiz imediata da sobredita tendência coloca-se no contexto da questão da mulher, mas a sua motivação mais profunda deve procurar-se na tentativa da pessoa humana de libertar-se dos próprios condicionamentos biológicos.2 De acordo com tal perspectiva antropológica, a natureza humana não teria em si mesma características que se imporiam de forma absoluta: cada pessoa poderia e deveria modelar-se a seu gosto, uma vez que estaria livre de toda a predeterminação ligada à sua constituição essencial.
Muitas são as consequências de uma tal perspectiva. Antes de mais, consolida-se a ideia de que a libertação da mulher comporta uma crítica à Sagrada Escritura, que transmitiria uma concepção patriarcal de Deus, alimentada por uma cultura essencialmente machista. Em segundo lugar, semelhante tendência consideraria sem importância e sem influência o facto de o Filho de Deus ter assumido a natureza humana na sua forma masculina.
4. Perante tais correntes de pensamento, a Igreja, iluminada pela fé em Jesus Cristo, fala ao invés de colaboração activa, precisamente no reconhecimento da própria diferença entre homem e mulher.


(Joseph Ratzinger, Carta as Bispos da Igreja Católica sobre a Colaboração entre Homem e Mulher na Igreja e no Mundo, 2004, aqui)

1 comentário:

Anónimo disse...

Foi pena... mas nem sempre tenho o tempo e o espírito para ler um longo documento. Para mais de Ratzinger, que tenho que ler e reler para o poder apreciar e entender.
Tudo para anunciar que vale a pena ir, pelo link, ao site do Vaticano, gravar o texto e estudá-lo.
Abraço