É talvez um dos aspectos mais difíceis de compreender da cultura católica - aceita tudo, cada coisa e o seu contrário, nada fica excluído.
Tudo aquilo que existe no mundo é obra de Deus. Mesmo as obras humanas são, em última instância, obras de Deus, porque foi Deus que conferiu aos homens as capacidades e os talentos para as realizar.
Se A existe é uma obra de Deus e, portanto, há-de existir algum bem em A (e também algum mal, porque o diabo, ele próprio, é uma criatura de Deus). Se o contrário de A (não-A) existe, é também uma obra de Deus e há-de existir algum bem em não-A (e igualmente algum mal). O mesmo se pode dizer de qualquer combinação, caso exista, entre estes dois extremos, A e não-A.
Mas, então, onde é que está a verdade ou o bem, em A, em não-A, ou em qualquer combinação de A com não-A? Depende. Depende do momento e da circunstância.
O homicídio é um mal se praticado contra uma pessoa inocente, mas passa a ser um bem se praticado contra um homem que entrou num supermercado e desatou a disparar sobre os presentes. E aqui devemos distinguir o momento da circunstância. O homicídio, neste caso, é uma bem se o agressor é morto enquanto se encontra a disparar sobre os clientes, mas volta a ser um mal se ele é morto já depois de terminada a tarefa e, quando, dois dias depois é apanhado pela polícia.
A verdade absoluta de que fala o catolicismo não é uma verdade que se possa enunciar em termos gerais e abstractos, tão ao gosto do protestantismo e da modernidade a que ele deu origem. Neste sentido, os autores e filósofos de raiz protestante têm uma certa razão quando dizem que "a verdade absoluta não existe". Mas têm apenas uma certa razão, porque apesar de tudo ainda fica uma verdade que eles consideram absoluta - a de que a verdade absoluta não existe.
A verdade absoluta de que fala o catolicismo é uma verdade contingente ao momento e à circunstância. A verdade absoluta acerca de um certo assunto em certo momento e circunstância, deixa de o ser, e passa a ser outra, mesmo sobre idêntico assunto, se o momento e/ou a circunstância forem diferentes.
9 comentários:
O catolicismo foi criado pelos romanos (com Constantino) para controlo social. E teve tal êxito, que continua, ainda hoje, a fazê-lo em grandes partes do mundo. O Império Romano é, ainda hoje, maior do que era há dois mil anos atrás...
Vamos com calma porque ainda não percebi o argumento do PA (Professor Arroja).
Sinceramente gostava de o entender melhor.
Descartes dizia que a estupidez é a coisa mais astuta no Mundo e a inteligência a base da malvadez e brutalidade humana.
Vou tentar ser astuto...
D. Costa
Sei que o PA gosta de casos concretos.
Detesto argumentos nessa base experimental (racionalista é racionalista).
A experiência não serve como base para qualquer argumento racional, mas sejamos amigos do PA.
Aconteceu comigo. Um vizinho com uma doença irreversível e mortal.
O sofrimento prolonga-se anos a fio.
Mulher e filhos acompanham a pessoa num desespero silencioso, sem fim e sem solução.
Frio, morte e solidão. Nada mais.
Para mim bastou.
Falei com a minha mulher: "Comigo nunca será assim".
Se é para morrer que seja rápido e piedoso o final.
Vou para a Suiça e, mesmo incapaz fisicamente, quero uma morte voluntária.
Silêncio.
Depois veio a resposta:
"Não, não te levo para a morte. Nunca me peças isso. Recuso"
D. Costa
O argumento prolongou-se talvez por vários dias, não me recordo ao certo (sei que sou obsessivo nas questões de fundo e de principio).
A minha mulher cansou-se da discussão (a mulheres cansam-se facilmente em qualquer discussão racional).
Finalmente, por parte dela, veio o argumento final e conclusivo:
"Já sabes. Sou crente. A religião - católica - não me permite essa atitude.
Se morreres morres devagar ao meu lado. Ponto final"
D. Costa
Mas a coisa obviamente não ficou por aqui.
Quando dei por ela a minha mulher já tinha espalhado a notícia pela família.
"o meu marido quer isso, mas em caso de doença terminal eu nunca poderei apoia-lo na morte assistida".
Rapidamente o tema veio ao de cima em novas ocasiões.
Em jantares familiares a minha sogra perguntava com ar preocupado: "O Diogo tem ido ao médico? sente-se mal?"
O meu sogro, mais céptico e pragmático, chamou-me ao lado e afirmou com clareza: "Vá com calma. já sabe...nem na morte temos sossego..."
D. Costa
Chateou-me o tema e o facto de se ter tornado assunto quase público.
A caminho de casa dei a minha opinião: "isto não é assunto para discutir em família, apenas entre nós os dois"
Resposta: "Não sejas palerma. Já sabes a minha resposta...aquele centro de mesa estava giro não estava?"
Silêncio.
D. Costa
Um homem fica acordado até às 4 da manhã com estes problemas.
A mulher normalmente dorme e dorme profundamente.
Nada que nos surpreenda. Nada que surpreenda o PA.
Comigo aconteceu o mesmo. Fiquei sem dormir e cismado.
Foram várias noites sem dormir e sempre voltando aos mesmos que antes pensaram e bem estes problemas.
Os racionalistas. Claro.
D. Costa
Se bem compreendi os racionalistas clássicos, e ao contrário dos católicos, há uma resposta fácil para a questão da morte e da nossa consciência da mesma.
Eles dizem que é precisamente a cobardia que nos força a inteligência.
Apenas o medo e o pavor do sofrimento torna o ser humano racional.
Ao ser voluntarista e optar pela morte assistida, em caso extremo de doença, eu estou a ser racional mas cobarde.
(a cobardia é um tema complexo em termos teológicos e naturalmente não devemos discutir isso agora).
Mas há um exemplo:
Thomas Hobbes argumentava que um soldado em combate pode fugir caso veja a batalha perdida.
Isto não é um caso de traição - não deve ser julgado como tal - mas de cobardia perante um adversário mais forte.
Assim sendo um general nunca deverá julgar um desertor pelo crime de traição. Apenas haverá um crime de desonra (=cobardia).
D. Costa
Amanhã volto ao assunto com mais hipóteses interessantes e ansioso por ouvir a opinião do PA sobre essas hipóteses.
Por enquanto apenas uma pergunta ao Professor para me ajudar a esclarecer um pouco:
a pena de morte? justifica-se?
que resposta dá um católico a esse problema? Sim ou não à pena de morte?
D. Costa
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