11 agosto 2014

nunca houve capitalismo em portugal

Meu Caro Joaquim,

Pergunta o meu Amigo "por que é que o capitalismo não funciona em Portugal?" A resposta é simples: porque nunca houve, desde 1143, capitalismo em Portugal.  Por conseguinte, não pode dizer-se que falhou uma coisa que nunca sequer foi tentada.

Na verdade, meu caro, o país começou mal: com um filho a dar porrada na mãe, com a estricta finalidade de terminar com um feudo e, em vez dele, criar um estado. Desde pequenos, meu caro Joaquim, aprendemos na escola primária, com o orgulho inchado dos nossos professores que, por sua vez, aprendiam o que nos contavam pela compreensível cartilha patriótica do Estado Novo, que em «Portugal nunca houve feudalismo». Pois não. Infelizmente os nossos «homens bons» dos concelhos gastavam o seu tempo a reclamar privilégios e direitos ao poder central, pagando os favores recebidos com a oposição aos senhorios locais, que tanto beneficiava a centralização do poder na coroa, em vez de lhe baterem o pé. A visão romântica medievalista dos municípios portugueses, com que Alexandre Herculano exaltou a pátria, não passava disso mesmo: os nossos «homens bons» dos concelhos medievos não se distinguiam muito dos «homens bons» dos municípios dos nossos dias. Eles foram os melhores aliados da coroa portuguesa no combate contra a autonomia local que os direitos senhoriais representavam.

Toda a História de Portugal foi a da construção de um estado unitário e centralizado no poder soberano. Foi a isso que nos habituámos desde sempre, com os conflitos entre a coroa e os senhores laicos e eclesiásticos; com uma precoce reacção da legislação régia ao direito consuetudinário, criando critérios de aferição perante a legislação régia para salvaguardar a sua validade, já desde as Ordenações Manuelinas, em 1521; com uma administração local, fiscal e judicial que dependia essencialmente da coroa, que muito celeremente submeteu aos seus ditames os frágeis poderes locais autónomos; com a política de expansão, e consequente exploração comercial, baseada na coroa e nos seus direitos.

Por estes e outros motivos, quando Portugal chega ao período industrial, não acompanhou a revolução que grassava nos países europeus evoluídos da época: porque não tínhamos espírito empreendedor que não dependesse do poder político e não criámos, ao longo de séculos, verdadeiras empresas privadas que não dependessem dos favores do poder.

Quando a industrialização e a modernização do país começaram, com Fontes Pereira de Melo, na segunda metade do século XIX, foi a partir do estado e do governo central que elas foram promovidas. E como, meu caro Joaquim? Como sempre: com empréstimos do estrangeiro, pagos com juros extorsionários, porque o país não tinha economia e, em bom rigor, estava falido. Nem sequer o ouro do Brasil nos valeu, quase todo absorvido pelos gastos da coroa em obras públicas, como o Convento de Mafra, por D. João V, pouco tendo ficado nos bolsos dos particulares.

Obviamente que este conjunto de asserções levam-nos provavelmente à sua conclusão: que o capitalismo é inviável em Portugal. Mas não propriamente pelo estoiro do BES, que nunca foi exactamente um bom exemplo de uma empresa nascida e firmada no mercado, mas, ao invés, nascida, acalentada e crescida nos interstícios da corte e do poder político. Nem , tão pouco, Portugal um país que acalentasse o livre-mercado, a autonomia empresarial e o espírito empreendedor.

Para alguma coisa falhar é necessário ser testada e ter fracassado. Como isso nunca aconteceu em Portugal, meu caro Joaquim, não perca as suas esperanças nas virtudes do capitalismo. Desista é de acreditar em Portugal.

Um abraço grande,

12 comentários:

Anónimo disse...

Caro Rui,

Obrigado pela achega
ABÇ

Joaquim

muja disse...

Vossemecês analisam tanto e a conclusão a que chegam é: "não dá" ou "nunca (se) deu".

Era já um bom começo se as continhas estivessem direitinhas. Que o dinheiro dos contribuintes fosse administrado com parcimónia...
Houve tempos em que o foi. E não é que até despontou um "capitalismo"? Não era nada de deitar foguetes, mas era certamente mais do que agora há. E cada vez há menos.

Aparentemente, parece que não ocorre isto a ninguém em tanta análise...

Ora depois, é a centralização... Como se sabe, Portugal é uma imensidão... Decerto se gastam meses a percorrê-lo de lés a lés. Porém, experimente a gente meter-se num automóvel, e consegue a proeza em menos de um dia. É experimentar.

E não consta que demore o zurrar de um burro quadrúpede mais tempo a chegar de Montalegre a Faro, que demora o correspondente de um bípede de S. Bento a Belém. Desde que se use um telefone. É experimentar. Diz que por computador até cartas e tudo e que tão facilmente chegam a um cego em Landim como a um manco em Okinawa. Fica a sugestão para os mais aventureiros.






Vivendi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vivendi disse...

Caro Rui A.,

Faça esse mesmo exercício mas agora no caso Alemão e depois conversamos.

Agradecido.

pvnam disse...

---> Uma NAÇÃO é uma comunidade duma mesma matriz racial onde existe partilha laços de sangue, com um património etno-cultural comum.
---> Uma PÁTRIA é a realização de uma Nação num espaço.
Leia-se:
- os 'globalization-lovers' que fiquem na sua... desde que respeitem os Direitos dos outros... e vice-versa!
.
.
.
P.S.
Separatismo-50-50

muja disse...

Deixe lá Vivendi. Isso não interessa nada.

Não se arme em abelhudo e queira agora vir envenenar as análises dos meninos.

Importa lá alguma coisa que no final da guerra Franco-Prussiana, o Reich fosse sobretudo um território rural e vagamente industrializado e que passados quarenta anos fosse uma potência industrial de tal ordem que não descansaram enquanto não a deitaram abaixo nem que para isso houvessem de sacrificar o mundo inteiro?

Não! Pois Portugal começou logo com o filho a dar porrada na mãe.

Importa lá que tenha sido sob os auspícios do Kaiser Guilherme II - e sob o instituto que até 1945 portava o seu nome, e que depois se mudou para Max Planck (que foi seu presidente) - que se trabalhou e cooperou no sentido de aproveitar economicamente os desenvolvimentos tecnológicos e científicos encorajados (pelo poder central, mas isso também não interessa nada).

Não! Pois Portugal não tem espírito empreendedor (Toda a gente sabe como Vasco da Gama foi o primeiro grande turista mundial).


Por isso, Vivendi, a escolha é simples: ou renega a virtude indiscutível do capitalismo ou desiste de crer em Portugal. Por outras palavras: ou é capitalista, ou é português. Ou ama a liberdade (liberal), ou ama a Pátria.

Ou é liberal, ou é ladrão.




Vivendi disse...

Mujahedin,

;)



Vivendi disse...

“Portugal precisa de uma Direita que recuse jogar com os valores da revolução francesa”

Filipe Faria é docente e doutorando em Teoria Política no King’s College, em Londres, e um colaborador do nosso jornal. O DIABO entrevistou-o sobre a dicotomia Direita/Esquerda, a Direita em Portugal e os novos movimentos tradicionalistas que surgem na Europa.




Ainda faz sentido falar em Direita e Esquerda?

É importante lembrar que a dicotomia Esquerda/Direita é produto da revolução liberal (francesa), onde a primeira tenta aprofundar os valores da revolução (igualdade e liberdade) e a segunda tenta defender a velha ordem aristocrática, tradicionalista e hierárquica. Olhando para o que chamamos de Direita em 2014 é possível perceber a dimensão da vitória das forças de Esquerda, pois há muito que estas últimas suprimiram a própria Direita original; o “direitismo” institucional contemporâneo não é muito mais do que a defesa de um elementar igualitarismo individualista com umas temporadas de atraso em relação à vanguarda de Esquerda. Esta derrota não é surpreendente, jogando com as regras instituídas pela Esquerda, a Direita limita-se a tentar marcar alguns pontos num campo institucional claramente inquinado. Aqueles que rejeitaram jogar este jogo não estão no mundo político.


Qual é a Direita que Portugal precisa?

A Direita que Portugal precisa é uma Direita que recusa jogar com os valores da revolução francesa; que está determinada a inverter o paradigma moral de forma a que as ideias igualitárias que tomaram o ocidente passem a ser vistas como degenerativas para a civilização e não como uma opção de 50 por cento entre Direita ou Esquerda. Ao rejeitar-se a moralidade igualitária que se implantou com o iluminismo, acabar-se-á esta dicotomia ao nível político; mais especificamente, a Direita portuguesa precisa de novas referências morais e intelectuais do que as que tem agora. Agora, esta divide-se entre a tecnocracia anti-intelectual dos gestores económicos (i.e. economia de mercado mais ou menos social-democrata) e, em menor grau, entre a justificação moral (consequencialista ou deontológica) da soberania do indivíduo e da sua propriedade via autores como John Locke, F. A. Hayek ou até a famigerada Ayn Rand (corrente muito influenciada pela hegemonia cultural americana). Ademais, parece-me claro que o que mais caracteriza a Direita geral é uma obsessão inusitada pelo crescimento económico como se este fosse o imperativo categórico da praxis política, relegando praticamente tudo o resto para planos insignificantes.

Como tal, esta Direita que Portugal necessita é uma que rompe com a ideia de que a soberania do indivíduo é o fim último da política e abraça fins comunitários. Isto é, que identifica o grupo que representa e ambiciona elevar, rejeitando universalismos abstractos; uma Direita que rejeita a ideia de que a função da política é libertar o indivíduo das amarras da tradição comunitária e hierárquica. Será uma Direita mais intelectualizada e revitalizada para agir. Necessita igualmente de conhecer a identidade particular portuguesa e a nossa identidade civilizacional europeia para as defender, sabendo que ambas são unas e indivisíveis. Ao nível intelectual, irá requerer uma consiliência multidisciplinar onde autores como o católico Alasdair MacIntyre e a sua crítica à soberania moral do indivíduo será tão familiar como Friedrich Nietzsche e a sua análise da função da moralidade, assim como implicará conhecimento de sociobiologia para melhor entender as forças da natureza e perceber as potencialidades de cada ideia política. Por certo, existirá algo de renascentista nos requisitos desta força motriz que conceptualizo . Acima de tudo, será uma Direita civilizacionista que ambicione deixar de ser Direita.

Vivendi disse...

Quem são os principais inimigos de Portugal?

Os principais inimigos de Portugal são todos aqueles que deliberadamente promovem uma agenda que visa distorcer a sua génese e a sua identidade. Estes estão tanto à Direita como à Esquerda. Tanto o podem fazer por ideologia, por intenções meramente auto-interessadas ou por simples ignorância histórica. A Direita e a Esquerda estão unidas no universalismo individualista e na destruição da tradição e integridade comunitária portuguesa (e europeia); os primeiros acreditam no mundo interdependente ligado pelo mercado onde as fronteiras identitárias são obstáculos a ultrapassar para potenciar o crescimento económico; já os segundos seguem religiosamente o universalismo dos direitos humanos, a versão secular e distorcida da doutrina teísta dos direitos naturais, essencialmente para fins de homogeneização e igualitarização do mundo.

Utilizam argumentos diferentes para atingirem os mesmos fins?
Curiosamente, por vezes os primeiros usam os argumentos dos segundos para atingirem os seus fins e vice-versa, criando assim um bloco central que domina a nossa política. Existem por certo excepções individuais a esta lógica, e raramente alguém se encaixa perfeitamente nestas descrições; porém, esta é a força hegemónica que caracteriza a modernidade política portuguesa e europeia. As identidades grupais estão no caminho desta força, como tal, estas são as primeiras a serem obliteradas.

Quem são os principais aliados de Portugal?

Os aliados serão, como tradicionalmente, outros Europeus que estejam dispostos a inverter esta utópica homogeneização em curso. Só na sua família Europeia Portugal se poderá encontrar. Serão Europeus que conhecem o seu passado e a sua história, que conhecem as suas origens e antepassados, que não acreditam que o ocidente só existe depois da implantação dos valores igualitários e universalistas de 1789 (“Liberté, Egalité, Fraternité”) e de 1776 (“All men are created equal”) e que rejeitam a actual ideia prevalente de que defender a Europa é defender tais valores. Estes Europeus terão um objectivo comum de defender não uma ideologia fechada mas sim um legado milenar que será a identidade europeia e sua perpetuação qualitativa pelo tempo.

Há quem deposite esperança em alianças com uma Rússia mais tradicionalista para “livrar” a Europa da actual subjugação à ideologia americana do ‘melting-pot’ anti-tradição; porém, independentemente da viabilidade de tal opção, é importante perceber que para Portugal os interesses comuns últimos estão sempre, por defeito, na sua família civilizacional que é a Europa. Será por aí que o caminho deve começar. Na questão geopolítica a solução mais simples e intuitiva é provavelmente a correcta.

Vivendi disse...

Nascem vários movimentos políticos com alguma envergadura pela Europa fora, como a Genération Identitaire em França, ao mesmo tempo que surgem novas formas de pensar a política de um espectro tradicionalista, como o eurasianismo. Onde está a contribuição de Portugal nesses movimentos, e o que falta para que Portugal veja o surgimento de um movimento particularmente seu?

Parece-me claro que o tradicionalismo está em ascensão meteórica, o que se deve muito aos problemas de carácter cultural, demográfico e existencial que a euro-modernidade nos trouxe. Este tradicionalismo é plástico e revela-se de inúmeras formas, quer através do conservadorismo tradicional, do comunitarismo, do arqueofuturismo, do localismo nacional, do imperialismo histórico, do identitarismo, etc., sendo uns mais intelectualizados e contemplativos e outros mais pró-activos. O Euroasianismo está hoje em dia muito ligado ao pensamento do académico russo Aleksandr Dugin, e é uma adaptação do modelo etno-pluralista europeu do filósofo francês Alain de Benoist ao caso russo. Para a situação portuguesa imediata, penso que as contribuições do autor francês são mais relevantes do que o Euroasianismo.

Apesar de não existirem actualmente movimentos políticos ou intelectuais “com alguma envergadura” em Portugal sente-se um interesse crescente dos jovens portugueses pelo tradicionalismo geral e pelo futuro da integridade de Portugal e da grande Europa, muitos deles já com experiência de viver em vários pontos do velho continente. Um contributo português importante poderia ser uma meditação sobre o que é ser português e europeu no antigo mundo imperial. Quais os erros que cometemos e quais as virtudes que adquirimos. Isto é algo que nem todos os países europeus podem testemunhar. Ademais, o facto de Portugal ser o princípio e o fim da Europa dá-lhe uma responsabilidade acrescida para delimitar fronteiras não só territoriais mas civilizacionais.

Vivendi disse...


Chegará a Portugal em movimento semelhante?

Praticamente tudo o que de importante aconteceu na Europa alastrou pela mesma como fogo em gasolina, o que atesta os laços familiares de união entre europeus mesmo na ausência de uma entidade política una. Penso que tal irá acontecer de novo e se esta fonte de mudança viesse de Portugal para a Europa em vez do inverso, mais relevante seria para os portugueses, mas não mudaria a lógica fundamental. O que falta para tal acontecer é difícil dizer; contudo, o mais importante é que seja o que for será feito sempre em parceria com o rumo europeu, tal como sempre foi em tempos monárquicos, republicanos, democráticos, autocráticos, etc. Enquanto Portugal for Portugal e a Europa for Europa, o nosso contributo estará sempre limitado pela nossa civilização e será dado em concerto com esta última.

Diz-se que os chineses, munidos pela filosofia budista, quando querem amaldiçoar alguém dizem “espero que vivas em tempos interessantes”. Parece-me que nos esperam tempos interessantes; mas no sentido europeu do termo... pois essa é a nossa tradição.

Anónimo disse...

Ah! Não macardito!