01 dezembro 2013

a cultura do medo

Não foram raras as ocasiões em que recentemente dei comigo a olhar para o mar.

O meu propósito era o de descobrir as principais características de personalidade do homem português de quinhentos, aquele que tinha levado a cabo a prodigiosa gesta dos descobrimentos.

Como era a personalidade desse homem e como é que ela comparava com a personalidade do português que se lhe seguiu, incluindo o português de agora, o português desta geração?

Eu já sabia que Portugal tinha começado a decair a partir do advento do protestantismo e à medida que o protestantismo avançou a importância de Portugal (e Espanha e Itália) foi decaindo no concerto das nações.

Mas o que é que, especificamente, tinha motivado esse movimento de declínio, de tal maneira que de uma situação em que o homem português dominava meio-mundo passados cinco ou seis séculos se encontrava na situação presente de ser governado pelos outros.

À medida que fui progredindo na resposta, a minha questão foi-se tornando mais fina. Tendo identificado algumas das características de personalidade do português de quinhentos, eu precisava agora de as hierarquizar. E ocorreu-me então pôr a questão do seguinte modo: Se eu tivesse de descrever com uma só palavra o homem português da época dos descobrimentos, que palavra utilizaria?

A minha resposta foi:  Intrépido. Ele não tinha medo de nada.

D. Afonso Henriques tinha iniciado a tradição de eleger a Virgem Maria como a protectora de Portugal e, por essa via, a instituição que a Virgem representa - a Igreja Católica. No espírito de cada português estava um figura de Mulher - a  Virgem Maria - e, através dela, e representando-as a todas, da mulher de cada um dos portugueses que se envolveram naquela extraordinária aventura dos descobrimentos. Era a mulher, na sua figura protectora e inspiradora que tirava o medo ao homem, era a mulher que tornava cada português intrépido.

O protestantismo atacou e rejeitou a Igreja Católica e, por essa via, a Virgem Maria e a figura da mulher, tirando-a do centro da vida e do pedestal em que ela se encontrava. Mas, sendo assim, se o meu argumento era correcto, os homens que fizeram a cultura protestante e a modernidade em que hoje vivemos, nas suas ideias e instituições, deveriam ser homens muito tímidos.

E foi então que fui à procura do medo na vida dos principais homens que fizeram o protestantismo e a modernidade. O resultado foi ele próprio aterrador. Eram homens tímidos, medrosos, homens que, nalguns casos, viviam aterrorizados pelo medo.

O caso mais significativo, talvez, é o de Thomas Hobbes, o autor do célebre Leviathan, que disse de si próprio: "my mother gave birth to twins: myself and fear." (aqui). É claro que antes de ir ao Hobbes, eu já tinha ido ao Kant, e ao relembrar as suas fotografias, tornava-se agora óbvio que ele tinha o medo estampado no rosto. Mas, é claro, antes de se lhe estampar no rosto, o medo estava-lhe em primeiro lugar no espírito. Nietzsche, vindo a seguir a Kant, declarou que "o medo é a mãe da moralidade".  John Locke é outro homem cuja personalidade é dominada pelo medo.
Naturalmente, Martinho Lutero, o pai espiritual de todos eles, era um homem que vivia aterrorizado pelo medo - o medo a Deus.

A cultura protestante e moderna que Portugal importou nas últimas décadas é uma cultura fundada no medo, e cujas ideias e instituições foram idealizadas e propagadas por homens cuja principal característica de personalidade era o oposto dos portugueses de quinhentos - o medo. É sob a influência dessa cultura que hoje estamos a viver.

10 comentários:

miguelbs disse...

D.Afonso Henriques não elegeu Arcanjo Miguel como protector de Portugal?
http://novacasaportuguesa.blogspot.pt/2011/09/s-miguel-arcanjo-padroeiro-de-portugal.html

zazie disse...

Sim. Foi a S. Miguel Arcanjo como, aliás, se passou por toda a Península Ibérica.

zazie disse...

A disputa que existiu foi entre S. Miguel e S. Jorge, por causa dos cruzados ingleses que ajudaram à Reconquista.

marina disse...

andava por aí a ver coisas dos celtas e cheguei a Portus Cale , segundo alguns , o Porto de Calleac , da deusa Calleac , que tb está na origem do nome galicia ( Calleac -Calaic-ia -o povo de calleac ) , é engraçado pq parece que o culto da Virgem tem raizes muito muito antigas.

José Lopes da Silva disse...

Às vezes penso se não devíamos olhar para o nosso maior rebento para nos conhecermos a nós próprios, também. Como está o Brasil, hoje? Também submetido à mesma cultura do medo, eles que copiam tudo do norte como nós? ...ou a diferença é demasiado grande para nos compararmos?

Vivendi disse...

“Deve-se ao rei D. João IV o facto de Nossa Senhora da Conceição ter sido proclamada Padroeira de Portugal, por proposta sua, durante as Cortes reunidas em Lisboa desde 28 de Dezembro de 1645 até 16 de Março de 1646, afirmando o soberano «que a Virgem Maria foi concebida sem pecado original» e comprometendo-se a doar em seu nome, em nome de seu filho e dos seus sucessores à Santa Casa da Conceição, em Vila Viçosa, «cinquenta cruzados de oiro em cada ano», como sinal de tributo e vassalagem, a dar continuidade à devoção de D. Afonso Henriques, que tomara a Senhora por advogada pessoal e de seus sucessores.

O acto da proclamação de Nossa Senhora da Conceição como Padroeira de Portugal, efectuado com a maior solenidade pelo monarca a 25 de Março desse ano (1646), alargou-se a todo o País, com o povo, à noite, a entoar cânticos de júbilo pelas ruas, para celebrar a Conceição imaculada da Virgem, ou, mais precisamente, a Maternidade Divina de Maria. Assim se tornou Nossa Senhora a verdadeira Soberana de Portugal, não voltando por isso, desde aí, nenhum dos nossos reis a ostentar a coroa, direito que passou a pertencer apenas à Excelsa Rainha, Mãe de Deus.”

Anónimo disse...

Eu estranho que pessoas a que me habituei a apreciar pelos seus comentários, não abordaram o tema de Pedro Arroja: "O Medo"

Vá lá... vamos a isso? Eu espero ir à liça mas, por pouca cultura, vou ter que estudar "umas coisas".
eao

zazie disse...

Não abordam porque não leram o Hobbes.

Nem o Costinha que tem peneiras sabe o que significa.

Significa o pessimismo prot de todos sermos iguais a fodermo-nos mutuamente.

Daí a necessidade do Estado/Leviathan para pacificar a maralha que vive no medo de ser lixada pelo próximo.

zazie disse...

Mas é esse medo prot que os ateuzinhos daquelas bandas vão usar para combaterem a religião.

O Feuerbach dizia que o medo tinha criado os deuses. O Marx vai dizer o mesmo.

zazie disse...

Os sacanas colocam a Lei do Estado no Lugar de Deus e depois só se passa a ter medo da guilhotina.