15 dezembro 2013

Governar

Nas últimas décadas, e muito acentuadamente nos últimos anos, perdeu-se por completo a noção em Portugal do que é Governar. Discutem-se Orçamentos do Estado e reformas do Estado, fazem-se cortes aqui e ali, manda-se esta e aquela lei para análise do Tribunal Constitucional, fazem-se e desfazem-se acordos partidários, a oposição critica as políticas do Governo, fazem-se discursos inflamados na Assembleia da República, mas a pergunta que fica é – Será isto Governar?

Governar uma comunidade, como é Portugal é, em primeiro lugar, unir a comunidade, para que ela depois  possa ser governada. Ora, aquilo que se tem andado a fazer através com os partidos políticos e o sistema partidário é, em primeiro lugar, desunir a comunidade, pôr os portugueses uns contra os outros, separá-los, torná-los adversários ou inimigos, para depois realizar o exercício – que se torna um exercício necessariamente impossível – de os  governar.

Governar é, em segundo lugar, servir a comunidade. É assim que se governa uma família e é assim que se governa qualquer outra comunidade humana, servindo-a  e não servindo-se dela. Ora, aquilo que tem acontecido em Portugal é que os governantes – políticos no Governo, na Assembleia da República e nos altos postos da Administração Pública e das Empresas Pública – em lugar de servirem a comunidade, servem-se da comunidade. Existem excepções, obviamente, mas são poucas.

Governar é, em terceiro lugar, proteger a comunidade. Governar não é consentir que se ande a comprar lá fora  aquilo que os portugueses podem produzir cá dentro, lançando-os no desemprego e, nalguns casos, na miséria, enquanto ao mesmo tempo se anda a dar empregos e rendimentos aos estrangeiros, em nome das ideias abstractas da liberdade e do Mercado Único. Proteger significa aqui, em primeiro lugar, proteger os portugueses, já que para proteger os suecos ou os finlandeses estão lá os suecos e os finlandeses. É inconcebível que num país que está falido e que pode produzir  todos os bens alimentares, mais de metade dos bens alimentares que consome sejam importados. O mesmo vale para uma vasta gama de outros bens. 

Finalmente, e em quarto lugar, Governar é transmitir, é transmitir bens aos outros que vêm a seguir, transmitir aos mais novos um património ainda maior do que aquele que se recebeu. Ora, aquilo que existe neste momento no país de mais certo para transmitir aos jovens são dívidas e desemprego -  males, não bens. Não surpreende que um inquérito recente revele que mais de metade dos jovens portugueses desejam emigrar. Mas quem é que quer receber dívidas como herança?

Nada disto é governar, nada disto que se tem andado a fazer no país nas últimas décadas é governar. Na realidade, aquilo que se tem andado a fazer nas últimas décadas – desunir a comunidade que é Portugal,  servirem-se dela em lugar de a servirem, desprotegê-la em lugar de a proteger, e delapidar o seu património – é o oposto de Governar. É Desgovernar. 

(Extractos do meu artigo desta semana no jornal Vida Económica)

3 comentários:

Rui Alves disse...

Unir, servir, proteger, transmitir.

Valores familiares, portanto. É com eles que se governa a grande família portuguesa.

"Any woman who understands the problems of running a home will be nearer to understanding the problems of running a country."

Margaret Thatcher

Anónimo disse...

Muito bem. Finalmente o PA "desceu" à terra, e começa a fazer sentido o que escreve.

Rui Alves disse...

"É inconcebível que num país que está falido e que pode produzir todos os bens alimentares, mais de metade dos bens alimentares que consome sejam importados. O mesmo vale para uma vasta gama de outros bens."

Pois! Neste preciso momento, decorre num dos canais privados um programa de caça-talentos, num formato comprado a outro país, que segundo consta "fez muito sucesso no estrangeiro". Próximo do final da gala de hoje, não houve um único candiadato com uma canção portuguesa, só cacofonia anglo-saxónica.

Sintomático, não é!