basta servirem-se

O Papa emérito Bento XVI disse um dia que se recordava quando, nos anos 80-90,  ia à Alemanha e lhe pediam para conceder entrevistas, que conhecia antecipadamente as perguntas. Tratava-se dos problemas do aborto, da contracepção e da ordenação das mulheres.

Ora, eu quando fui entrevistado sobre o Papa Francisco esta semana  também antecipei estas perguntas. Mas antecipei sobretudo uma outra, fora destas, e preparei-me para ela. Acertei em cheio:

-Seria o Papa Francisco socialista?

Não. O Papa Francisco não é socialista. O Papa põe, de facto, o acento da sua mensagem nos pobres e na pobreza, tal como o Papa Bento XVI colocou o acento na doutrina e na liturgia. E, de facto, uma das componentes principais da mensagem cristã são os pobres e a pobreza.

É neste ponto que a mensagem do Papa e o socialismo se tocam, e por isso nós vemos muitos socialistas, como entre nós o Dr. Mário Soares, que não é sequer católico, ou ele assim diz,  a invocar as palavras do Papa. Mas também é só até este ponto que o socialismo é cristão, porque a partir daqui deixa de o ser.

O Papa lembra a situação dos pobres e depois apela a todos os homens e mulheres de boa vontade para ajudarem os pobres - e fica-se por aqui. Ora, é nesta fronteira que o socialismo deixa de ser cristão. É que o socialismo não se contenta em apelar aos homens e mulheres de boa vontade. O socialismo  apela a que os pobres se organizem contra os ricos e os submetam, na versão comunista pela força bruta das armas, na versão social-democrata pela força bruta da maioria.

Não existe nada de mais  anti-cristão do que isto, seja pela força bruta das armas seja pela força bruta da maioria, que é pôr as pessoas umas contras as outras,  porque um dos valores centrais - na realidade, o valor central - pregado por Cristo foi precisamente o amor ao próximo. Foi neste pecado que caiu a chamada teologia da libertação de que o Papa Francisco, na altura própria, se demarcou. Quando trespassaram esta fronteira, os teólogos da libertação deixaram de ser católicos.

Eu não sei se o Papa, enquanto cardeal Bergoglio e cidadão da Argentina, votava em algum partido. Eu presumo que não. Porque não existe instituição mais anti-católica do que um partido, que é a versão laica da seita protestante, e a instituição sectária por excelência, exactamente o oposto do que é ser católico. Agora, no caso de ele votar, sim, eu creio que ele votaria num partido equivalente ao PS português. Mas repito, estou convicto que ele não votava, porque um cardeal, ainda por cima que viria a ser eleito Papa, tem de ser um homem de grande sabedoria, um homem que sabe onde está a fronteira. Um partido serve para partir o rebanho de Deus, não para o unir.

O Papa é jesuíta e os jesuítas são a versão católica do protestantismo luterano. O socialismo é a versão laica do luteranismo. Portanto, o Papa foi educado nas ideias do luteranismo e do socialismo propugnadas inicialmente pelo filósofo Immanuel Kant (foi nesta altura que eu falei do Kant) e, portanto, por vezes, dá a sensação de ser um socialista. Mas não é. Porque o luteranismo e o socialismo cindem a comunidade, partem-na em partidos, põem uns contra os outros, ao passo que a missão de um padre da Igreja, mais ainda se fôr cardeal e Papa,  é uni-la.

Mas admitamos, por um momento - algo em que eu não acredito - que o Papa Francisco é socialista. Então, se o socialismo é aquilo que diz e faz o Papa Francisco, eu também quero ser como ele. É que eu vejo o Papa Francisco, que já tem 76 anos e idade para ser reformado, a servir a comunidade o dia inteiro e mesmo a renunciar a privilégios que são tradicionais na sua função. Pelo contrário, nos políticos socialistas, o que eu vejo, na sua grande maioria, alguns ainda muito jovens, é a servirem-se da comunidade, a arranjarem empregos à custa da comunidade, a receberem grandes vencimentos da comunidade, a exigirem pensões vitalícias da comunidade, a reclamarem grandes carros e tantos ou privilégios, todos pagos  pela comunidade. E, num caso ou noutro, até a fazerem fundações com o seu próprio nome  e financiadas pela comunidade. Já imaginou o Papa Francisco - e ele tem poder para o fazer - a instituir a fundação "Jorge Mario Bergoglio" e a seguir mandar a Igreja Católica pagar-lhe as despesas?

Criar uma comunidade, como o Papa Francisco procura fazer, e ainda por cima uma comunidade universal, que é o sentido de Igreja Católica,  é muito difícil - é preciso servir a comunidade. Destruí-la, como fazem os socialistas, é muito fácil - basta servirem-se da comunidade.