14 outubro 2013

Sabem, sabem...

É necessário compreender o ambiente intelectual em que o Adam Smith (1723-1790) escreveu. Ele é contemporâneo de homens como Voltaire, David Hume, Rousseau e do próprio Kant. A Igreja Católica era o bombo da festa, e os países católicos, como Portugal, também.

No seu livro "A Riqueza das Nações" (1776), ele refere-se várias vezes a Portugal e aos portugueses - sempre para nos depreciar ("um país pobretanas...").  O Adam Smith também deprecia a Espanha por várias vezes e ainda com mais veemência. Houve um tempo em que eu, como economista, subscrevi esta depreciação, quanto mais não fosse porque, na nossa cultura, e enquanto somos novos, todos nós dizemos mal de Portugal e dos portugueses. Nisso, de dizer mal do seu país e das pessoas que o puseram  neste mundo e o criaram, nenhum jovem intelectual português consegue ser original.

Eu hoje não subscrevo nada desta depreciação que ele o Adam Smith fez de Portugal e da Espanha. Na altura governava em Portugal o Marquês, que praticava uma doutrina económica conhecida pelo nome de Mercantilismo. Em termos os mais simples possíveis, o mercantilismo consiste em governar uma nação como se governa uma família. E eu penso que o Marquês, uma figura que eu não aprecio em muitos outros aspectos, fez uma boa governação económica de Portugal - na realidade, fez uma governação económica semelhante àquela que Salazar viria a fazer mais tarde (Salazar tinha apreço pela governação económica do Marquês), e de que Portugal volta agora a necessitar outra vez para sair da situação em que se encontra. Na teoria económica, chama-se Mercantilismo.

O ambiente intelectual da Europa do tempo de Smith era então o de rejeição radical da Igreja Católica e do catolicismo e, por implicação, dos países que tinham permanecido católicos  - e os dois mais grandiosos da altura eram a Espanha e Portugal. O protestantismo tinha rejeitado a autoridade da Igreja para interpretar as Escrituras, e mandou a cada um que fosse ler as Escrituras por si próprio.

A interpretação católica das Escrituras - o catolicismo - dá um sentido à vida de cada pessoa, um sentido que eu julgo que é verdadeiro e que subscrevo por inteiro e que, em termos genéricos se poderia descrever na seguinte frase: "Cada um tem o seu próprio caminho na vida, mas o fim é comum a todos". Ora, o protestantismo, ao rejeitar o catolicismo, rejeitou também o fim comum a todos e, ao mandar cada um interpretar as Escrituras, disse-lhe também: "Agora és tu que defines os teus próprios fins na vida".

A questão que se colocou imediatamente foi a seguinte:

-Mas sabem as pessoas definir os seus próprios fins na vida?

-Sabem, sabem ... e, se não sabem, isso é lá com elas.

Tinha nascido o liberalismo, que é a primeira ideologia de esquerda saída do protestantismo, muito anterior ao socialismo, que só viria a aparecer cerca de um século depois, e que à mesma questão, deu a resposta:

-Não sabem coisa nenhuma.

1 comentário:

José Lopes da Silva disse...

É óptimo ver o "universalismo" do PA a funcionar. Há uns tempos atrás, ele não reconheceria as semelhanças na governação económica do Marquês com o dr. Salazar. Pesem as diferenças ideológicas.