«O "feudalismo", tal como o definimos, não se restringe ao caso em que o camponês também é coagido a permanecer na terra e a continuar a cultivá-la através da violência (em linhas gerais, a instituição da servidão). Nem se restringe aos casos onde medidas adicionais de violência são utilizadas para reforçar e para manter a posse da terra feudal (...). Tudo o que o "feudalismo" requer, na nossa interpretação, é a apreensão violenta da terra dos seus verdadeiros donos, os transformadores da terra, e a continuidade deste tipo de relação com o decorrer dos anos. (...)»
«Nos últimos anos, a doutrina de que o feudalismo, ao invés de ser opressivo e explorador, era na verdade uma protecção à liberdade ganhou espaço entre os conservadores americanos. É verdade que o feudalismo, conforme dizem os conservadores, não foi um sistema tão horrível como o "despotismo oriental", mas isto é praticamente a mesma coisa que dizer que a prisão não é uma pena tão severa quanto a morte. (...) Os sistemas de poder e de repressão são de tipos similares; o déspota oriental é um único senhor feudal com o poder acumulado nas suas mãos. Cada sistema é uma variante do outro. nenhum deles é libertário de maneira alguma. (...)»
«Na verdade, o estado forte e o feudalismo não eram antiéticos; o primeiro era um desdobramento lógico do segundo, com o monarca absoluto governando como um senhor feudal. O estado forte, quando se desenvolveu na Europa Ocidental, não tratou de acabar com as restrições feudais ao comércio; pelo contrário, ele sobrepôs as suas próprias restrições centrais e pesados impostos sobre a estrutura feudal. A Revolução Francesa, direccionada contra a personificação viva do estado forte na Europa, visava a distruição tanto do feudalismo com as suas restrições locais, quanto as restrições e altas taxas impostas pelo governo central.».
Este belo naco de prosa libertária, apologética da Revolução Francesa e virulentamente contrária a qualquer tipo de ficção histórica romanceada sobre a Idade Média e o seu sistema de organização social (muito mais do que política...), o feudalismo, pertence ao Mestre Murray Rothbard, que também não deve ter percebido nada da Revolta Contra o Mundo Moderno, do Evola (já nem falo da Metafísica do Sexo...), tão-pouco da Crise do Mundo Moderno ou do Reino da Quantidade, do Guénon. Embora tenha algumas dúvidas quanto ao rigor histórico destas suas apreciações (e não apenas destas, em boa verdade), aqui as deixo para quem as quera aproveitar.
19 comentários:
Nós somos um bom exemplo que nem tudo isso é verdade e o oposto idem.
Nunca tivemos feudalismo e os reis tiveram um importante papel de medianeiros.
O feudalismo dependia da escala.
O feudalismo era um sistema social/comunitário, não um sistema político. A forma de apropriação das terras e a sua exploração não estava baseada na "servidão" involuntária, nem os "pactum subjectionis" eram formas de escravidão. De todo o modo, este texto pareceu-me interessante para reforçar algum argumentário ancap contra o mundo moderno...
Tivemos um regime senhorial com fortes laisvos feudais, sobretudo onde vigorava o princípio da imunidade, que os nossos monarcas, pelo menos desde o Afonso III, se apressaram a combater. Infelizmente, digo eu, porque esta coisa de andarmos sempre pendurados no governo vem daí.
Vem nada.
Então, não!
Não mais que noutros locais.
E depende dos governos.
Acha que as pessoas dependiam do Estado, no Estado Novo, como dependem agora?
Não mais do que noutros locais, mas muito mais cedo, Zazie. O que somos agora não vem das pedras dos montes Zazie. A célebre autonomia municipalista portuguesa do Herculano foi quase sempre uma treta. Os municípios tiveram mais poder quando o rei lho concedia em troca deles serem um contrapoder local ao dos seus inimigos grandes proprietários. Como o rei estava mais longe e chateava menos, os municípios também não se importaram de ir cedendo as suas prerrogativas de autogoverno à coroa. Veja, por exemplo, o esforço feito pelo Afonso IV para criar uma administração pública e judicial régia em todo o território. Ou os limites que as Ordenações Afonsinas (1446/7) impõem ao costume para que ele possa ser fonte de direito.
Em suma, a consciência do poder é enorme nos nossos primeiros reis e, a meu ver, razoavelmente anterior aos outros monarcas europeus medievais. Um dia destes, partindo de hoje para trás, faço uma história portuguesa da servidão para com o governo...
Quanto à sua pergunta: em quantidade não, mas em grau sim,
Uma das coisas mais engraçadas que se pode constatar é que logo na Reconquista, o monarca tenta oferecer terras às Ordens religiosas militares e eles aceitam o cargo mas não se instalam.
O território não era particularmente rico.
E foram os monarcas da Primeira Dinastia quem fez o pais. Em todos os sentidos. O D. Dinis é um excelente exemplo.
Se não fossem eles a mandar ninguém fazia nada. Porque nunca houve feudos particularmente ricos.
Passam a existir com a Expansão e aí é óbvio que o centralismo régio chama tudo para a Coroa.
Os grandes proprietários foram Ordens Religiosas.
E quem acabou com elas e com grande riqueza e saber foi o Marquês, primeiro e os liberais/republicanos depois.
A nossa desgraça tem raízes jacobinas até ao tutano.
O desenvolvimento técnico do país acabou com a expulsão dos jesuítas e encerramento das escolas que eles tutelavam.
Perdeu-se a dita Revolução Industrial por isto.
Os manuais nunca contam assim mas agora a historiografia começa a colocar as coisas no lugar.
Merece a pena dar uma vista de olhos na compilação das Ordens Religiosas em Portugal, até ao Concílio de Trento, dirigida pelo Bernardo Vasconcelos e Sousa.
Até o monaquismo ibérico não gosta de se institucionalizar e daí a predominância dos ermitérios.
E o jacobismo é o que, Zazie, senão o exercício centralizado do poder por uma elite dita esclarecida? Olhe o que o Tocqueville disse a respeito do exercício do poder, em França, do Ancien Régime para a Revolução e desta para o Império.
Não se pode descontextualizar todas as noções.
Assim até o César era jacobino. O jacobinismo é sempre contra a tradição, em particular a religiosa.
O jacobinismo por cá foi sempre o anti-clericalismo que aparece com o Marquês e com os estrangeirados.
Foram eles que destruíram um património de saber que podia ter tornado Portugal muito mais desenvolvido como o foram os países para onde os jesuítas daqui fugiram.
Força Zazie :)
Mas foi sempre por razões de poder, Zazie. O traço fundamental de todos os jacobinismos é que não partilha o poder com ninguém. A síntese disto é feita pelo Rousseau com a sua ideia de soberania popular, una e indivisível. O jacobinismo, por definição, é o expoente maior do estatismo.
A questão religiosa é meramente instrumental, Zazie. Veja o que fizeram na RF com a Igreja Católica: nacionalizaram-na, puseram-na ao serviço do estado, mas nunca a extinguiram. E sacaram-lhe parte dos bens para ajudar a pagar o défice público, claro. De resto, o Robespierre era um tipo bastante religioso, naturalista, como era próprio da época, mas religioso, Terminou a carreira com a palhaçada da festa aos ser supremo, como sabe. A questão religiosa com o jacobinismo não é ideológica, mas soberana.
Quanto ao Poder, o próprio Rui concorda que só não o querem as alfaces.
A questão não é apenas de centralização do Poder. É de terraplanagem de tudo pela Lei.
E nisso o CN tem razão- a confusão entre moral e lei- no sentido da primeira passar a ser a segunda e vice versa, é questão jacobina porque eles negam a tradição.
E a tradição é religiosa. Sempre o foi.
Por isso os liberais fizeram asneira e é claro que são filhos do positivismo moderno.
Os jacobinos infiltraram-se pela maçonaria.
Tamêm áxo!
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