Dos últimos nove anos, apenas vivi dois em Portugal. Os restantes sete passei-os fora da Europa. Neste espaço de tempo ganhei hábitos que serão complicados de perder: palavras que já só saem em inglês, o vício do fumo de cachimbo de água ou o homus às refeições. Mas nenhum destes hábitos será tão embaraçoso no meu regresso à europa como o à-vontade com que me habituei a perguntar a recém-casados se o seu casamento foi love-marriage.
Em todos os países onde vivi, excepto Portugal, o casamento arranjado é tradição (Índia e EAU, com a sua maioria étnica de indianos) ou é, ainda, tolerado (Turquia). Questionar os noivos sobre a origem do casamento faz parte do protocolo. Qualquer que seja a resposta, é normalmente dada com orgulho, mesmo quando a resposta é que o casamento foi arranjado e a pessoa em causa passou vários anos no ocidente. As estatísticas dizem (ou dizem aqueles que as viram) que os casamentos arranjados resultam em menos divórcios, embora não haja estatísticas sobre a felicidade dos casamentos. Apesar de nunca ter visto essas estatísticas, acredito que possam ser verdade. Uma pessoa que não toma uma decisão tão importante como escoher a pessoa com quem irá dormir e criar os seus filhos, dificilmente irá tomar a decisão de se divorciar mais tarde, mesmo que seja essa a decisão certa.
O divórcio não é, necessariamente, resultado de uma má escolha. As escolhas têm um contexto temporal, cuja alteração pode fazer com que a escolha certa deixe de o ser. Mas mesmo que a escolha tenha sido errada, há poucos motivos para desejar que ela seja retirada ao indivíduo. Ao contrário do pressuposto que o professor parece utilizar aqui, um liberal não defende a liberdade de escolha porque as pessoas tendem a fazer boas escolhas, antes pelo contrário. É precisamente porque os indivíduos tomam más decisões que é importante que sejam eles a tomá-las. É precisamente porque a escolha pode ser má, que é importante que seja o indivíduo a responsabilizar-se por ela. Se for a comunidade ou a família a fazer esta escolha tão individual, a decisão de a quebrar é também uma quebra para com a família e a comunidade que a fez. É por isso que existem menos divórcios com casamentos arranjados: o custo para a mulher de avançar para o divórcio (e são quase sempre elas que o fazem) é muito maior se o casamento tiver sido arranjado. Se o casamento tiver sido arranjado, o divórcio não é um assumir de erro individual, mas de erro colectivo. E raramente os colectivos, como as recentes decisões do tribunal constitucional demonstram, se dão bem com o assumir de erros passados, mesmo quando são tão óbios. Neste caso, a má escolha inicial, porque feita pelo colectivo, resultará numa ainda pior escolha: a de não inverter a escolha inicial.
2 comentários:
Bom contraditório Carlos.
ra
Mas quem é que disse que casar é meramente uma escolha racional.
O tanas- não há nada de mais irracional que o amor.
Por isso é que racionalmente, muita gente apaixonada evita casar-se logo.
":OP
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