“As Cortes Portuguesas da Idade Média – que eu tenho insistido, apesar de vozes discordantes, em designar de Parlamento Medieval Português – tiveram a sua origem durante o século XIII, provavelmente antes de 1254, antes ainda do celebrado Parlamento Inglês.
Foram grandes Assembleias Representativas da Nação, onde a voz do Povo, mais do que a do Clero e da Nobreza, se fez ouvir e se impôs.
Entre 1254 e 1495 reuniram pelo menos setenta e seis vezes, em Braga, Guimarães, Porto, Coimbra, Guarda, Viseu, Leiria, Torres Vedras, Torres Novas, Santarém, Lisboa, Elvas, Estremoz, Montemo-o-Novo, Évora e Viana do Alentejo.
Leis, acordos, tratados, regimentos, decisões tributárias, protestos políticos, reformas gerais, declarações de guerra e paz, questões de soberania nacional – tudo se fez nessas assembleias
Textos e textos se produziram, milhares deles, um corpus documental vastíssimo ainda quase todo inédito.
E nenhum é supérfluo para a História que se faz e haja de fazer-se sobre a Idade Média de Portugal.”
O Parlamento Medieval Português – Perspectivas Novas, Armindo de Sousa, Porto, 1990 (pdf)
Agradecido ao Leitor FB.
22 comentários:
Pois... eu e outros já tinhamos aqui dito que a tradição portuguesa não é o absolutismo que o PA efabula, mas sim este municipalismo.
O absolutismo só durou umas poucas décadas em Portugal, alguns reis, o marquês de Pombal, conseguiram um poder perto desse absolutismo. A regra, a tradição foi um poder partilhado, com participação institucional.
Sem entender isto não se entende a história de Portugal.
xyz
Sim, é verdade e foi bem recordado.
Um contributo bom ao debate...
Já que o meu contributo foi útil, pergunto se não terá sido destas mesmas Cortes - deste mesmo Parlamento - que surgiu a "bem nascida segurança/Da Lusitana antiga liberdade" de que Camões fala nos Lusíadas.
Cumprimentos,
Francisco Brito
Tv não...
Atente nos versos seguintes:
Vós, ó novo temor da Maura lança,
Maravilha fatal da nossa idade,
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,
Pera do mundo a Deus dar parte grande;
Vós, tenro e novo ramo florecente
De ũa árvore, de Cristo mais amada
Que nenhua nascida no Ocidente,
Cesárea ou Cristianíssima chamada
(Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos amostra a vitória já passada,
Na qual vos deu por armas e deixou
As que Ele pera si na Cruz tomou);
(...)
Vereis amor da pátria, não movido
De prémio vil, mas alto e quási eterno;
Que não é prémio vil ser conhecido
Por um pregão do ninho meu paterno.
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem sois senhor superno,
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente.
A épica portuguesa vem daqui- da Expansão- do ideal de Quinto Império.
E o centralismo do Poder dá-se na mesma altura.
Isto é tudo demasiado complicado para se julgar que ou há feudo, ou Estado Moderno.
Porque houve meio-termo que não se arruma nas mesmas prateleiras.
Há várias interpretações. Se entendermos os dois versos que antecedem os versos seguintes como algo que já existe e a partir do qual se irá "aumentar a pequena cristandade" é possível relacionar essa Liberdade com o sistema que então vigorava (ou tinha até aí vigorado) em Portugal...
E que, para o Camões, em nada se opõe à mesma Liberdade expansionista que deveria fazer com que um grande Imperador da Antiguidade, tivesse mais humildade perante esse povo.
tirar a vírgula entre o sujeito e o verbo
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
Passado e Presente que unem:
(Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos amostra a vitória já passada,
O centralismo do poder exige:
- estado grande, com muitos funcionários
- facilidade de comunicação
coisas que Portugal não tinha. O estado era pequeno, as comunicações fracas. Para lá do Marão mandam os que lá estão não é apenas um provérbio vazio. As condições geográficas, a dificuldade de comunicação entre as diferentes regiões tornam o poder absoluto, centralista ineficaz.
Aliás em Portugal nem o feudalismo teve a força que teve noutros países.
A propósito, a democracia também começa por aparecer em comunidades pequenas, ilhas pequenas, cidades-estado, pela mesma razão, em termos antigos era impraticável um estado grande realizar eleições.
xyz
É um dos versos da dedicatória a D. Sebastião que deveria ser o guardião da tal "antiga liberdade". Resta saber ao certo o que esta foi, pois, naturalmente, foi bem mais do que a independência do território português. E era algo que já se encontrava em decadência quando Camões escreveu os Lusíadas...
Pois é verdade.
Por isso também ele também falava na "apagada e vil tristeza".
Resta saber ao certo o que esta foi, pois, naturalmente, foi bem mais do que a independência do território português.
Foi bem mais, porquê? É porventura feito menor tal independência?
Os castelhanos não são propriamente estúpidos, e são (sempre foram) guerreiros de elite. E além disso são sanguinários, não temem sangue - antes pelo contrário: gostam dele. E sempre tiveram mais recursos que nós.
A independência portuguesa, apenas do ponto de vista militar já é practicamente um milagre. E essa noção devia ser bem clara no espírito de Camões.
Agora andar à procura da noção de liberdade democrática nas cortes medievais acho que é um bocado far-fetched...
São raros os que têm o poder absoluto nas mãos, por mais que pareçam tê-lo. O que parece muitas vezes não é. Atrás da aparência esconde-se um jogo complexo de cedências e influências, de intriga e tacto.
Um homem é apenas um homem, independentemente do poder que tenha. O que mata outro também o mata a ele.
De resto é como diz o xyz, o centralismo exige comunicação.
Portanto é natural que as coisas fossem muito menos centralizadas dantes. Todavia é também natural que se tenham vindo a centralizar com a abertura de novas vias de comunicação.
Há alturas em que é necessário centralizar, outras em que é necessário descentralizar. Isto não é matéria de doutrina ou ideologia. É da prática e da conveniência. O que aproveitar melhor ao país e às gentes é o que se deve fazer.
Como determiná-lo? Bom, estudando, experimentando, ponderando. Não é na base do "ah e tal, isto assim dá mais 'liberdade', por isso é por aqui". Ou, 'ah e tal, sou anarquista porque não curto obedecer, por isso deixem-me estar descentralizado. Mas venham-me acudir quando os de fora me quiserem lixar' - hem CN?
eheheh
Mas o xyz engana-se quando fala da democracia nas cidades-estado. Não havia sufrágio universal, e os cidadãos não faziam nenhum. Havia escravos e servos (frequentemente outros povos) que faziam o trabalho.
Por isso é que também tinham tempo e sossego para se preocuparem com a filosofia. Porque é preciso tempo para aprender e, sobretudo, para pensar.
Mujahedin! Em grande.
a democracia não era como hoje, mas os rudimentos de democracia começam em comunidades pequenas, ilhas isoladas, aldeias isoladas, cidades-estado.
de qualquer forma o catolicismo defende o principio da subsidiariedade, que é o oposto do absolutismo
xyz
A liberdade estava em decadência, no tempo do Camões, porque tinha chegado a Inquisição.
O centralismo matou uma série de tradições e autonomias e tem o esplendor naquele monstro institucional do tempo do Marquês.
Mas é com D. Manuel I que começa e não é assim coisa com tanta piada como se possa pensar.
Foi passar para a coroa e para os filhos bastardos praticamente tudo o que até aí era muito mais autónomo.
Veja aqui um exemplo da simbologia:
http://www.cocanha.com/um-rei-sol-avant-la-lettre/
Enviar um comentário