19 fevereiro 2013

poder moderador?



Deve o rei constitucional desempenhar o «poder moderador»? A minha resposta é de que, como poder soberano, o poder moderador não deverá ser consagrado na Constituição. Como poder de influência, ele já decorre da figura constitucional do rei, sem necessidade de tipificação na lei fundamental do reino.
É que, na verdade, o «poder moderador» pode abrir portas e caminhos sinuosos e contribuir para a banalização política do rei, retirando-lhe a dimensão simbólica fundamental que o deverá caracterizar. Mesmo num texto muito equilibrado como o foi a nossa Carta Constitucional de 1826, provavelmente (certamente) a nossa melhor Constituição de sempre, ele teve consequências mais prejudiciais do que positivas.

Reparemos, primeiro, que esta figura decorre – ela sim – da tradição política inglesa, que foi interpretada pelo franco-suiço Benjamin Constant, que, não obstante as suas origens, foi politicamente muito mais um anglófilo do que um francófono. Este ponto é interessante para invalidar a tese do Pedro de que a nossa tradição monárquica nada tem a ver com a Inglaterra, embora eu saiba que ele estava a pensar no período português anterior ao século XIX, a meu ver mal, como já assinalei em posts anteriores. O «poder moderador» seria, assim, uma forma de intervenção constitucionalmente permitida ao rei para equilibrar as instituições, fazendo dele o ponto de equilíbrio de todo o sistema político. Diga-se, já agora, que a figura foi introduzida no texto de 26 para repor o equilíbrio entre o rei e as novas instituições políticas com legitimidade tendencialmente representativa e democrática, que fora perdida no texto jacobino de 1822.

Mas o «poder moderador» de 26 não se ficou por aqui. Ao legitimar a ingerência do rei na vida política quotidiana, abriu portas perigosas e tão desnecessárias quanto prejudiciais.

A Carta caracterizava-o no artigo 74º, atribuindo-lhe os seguintes poderes, em concreto: livre nomeação dos pares do reino; sanção dos decretos legislativos; dissolução da Câmara dos Deputado; livre demissão e destituição dos ministros do reino; suspensão dos magistrados; perdão de penas e concessão de amnistias. Estamos, na prática, num sistema semipresidencialista, que, de resto, seria a fonte da interpretação dos poderes presidenciais feita por De Gaulle na «sua» Constituição de 1958, que se inspirou, por sua vez, na Constituição da Restauração Francesa de Luís XVIII de 1814, esta última burilada pelos ingleses e russos vencedores das guerras napoleónicas, que não queriam o regresso nem da Revolução, nem do Ancien Régime.

Na prática, o poder moderador serviu para pouco mais do que exercícios de baixa política, como, por exemplo, as sucessivas listas de pares do reino apresentadas por Fontes Pereira de Melo, algumas cozinhadas com a oposição, outras nem tanto, consoante a força política com que o chefe do governo se sentia. Ou o desgaste a que D. Pedro V, que embirrava com Fontes, o sujeitou, impedindo-o de chegar mais cedo à chefia do governo.

Numa monarquia constitucional, o poder moderador, como qualquer outro que se queira ver na figura do rei, tem que ser uma decorrência natural da sua condição institucional, e não um poder positivo que lhe seja atribuído pelas normas da Constituição. O poder moderador resulta, assim, da natureza da função do rei-símbolo constitucional, e não do reconhecimento de competências especificadas na lei fundamental, o que permitiria, até, retirar-lho, como, aliás, sucedeu na Constituição Portuguesa do interregno quase jacobino de 1838.

O poder moderador é um poder natural do rei constitucional. Não é uma atribuição de soberania, sob pena do rei constitucional, ao invés do que se pretende, perder a sua legitimidade e o seu verdadeiro poder.

10 comentários:

Anónimo disse...

e que tal discutir o sexo dos anjos?
é que Portugal não vai ter nenhum rei nas próximas décadas.
O apoio à monarquia é da ordem dos 20% e para mudar o regime seria necessário ser da ordem dos 60%, pelo menos.
Eu católico praticante, sou favorável à republica... e isto mesmo sem atender aos maus exemplos das monarquias europeias.

xyz

Luís Lavoura disse...

a dimensão simbólica fundamental que o deverá caracterizar

Eu repito que só tolos (pobres de espírito) é que necessitam de símbolos.

Homens livres não necessitam de símbolos para nada.

zazie disse...

Este Luís Lavoura é palerma.

Quantos símbolos não tens tu nessa cabecinha cientóina.

Acaso algum ser humano vive sem símbolos.

Só se apenas tiver alma vegetativa e viver a pastar.

zazie disse...

É impressionante a ignorância das pessoas que se dizem cientistas.

Não sabem nada de nada. Vivem lá nas torres de marfim das cientóinice e o mundo passa-lhes ao lado.

zazie disse...

Pior ainda quando se dizem materialistas.

muja disse...

nada que ele possa fazer poderá gerar dissensão

O Rui A. deve viver noutro planeta. Se ele não fizer nada, será isso mesmo a "gerar dissensão". Porque quem quer "gerar dissensão" consegue sempre, pela simples razão que nem o mundo nem os homens são perfeitos.

O que V. está a dizer, no fundo é que quer um Rei para não fazer nada, excepto assumir a responsabilidade do que fazem os "políticos" sem, no entanto, poder fazer grande coisa sem ser evitar uma grande catástrofe que, por definição já terá causado estragos, ou não se perceberia a dimensão dela.

Ou seja, um bode expiatório para as avarias que os democratas fazem.
Não, obrigado. Se não vou apoiar um Rei que não se chegue à frente pelo seu povo, também não vou querer que arque ele com as consequências da irresponsabilidade do Governo, sem que ele possa ter poder sobre ele.

também não deve ter-se a expectativa de que um rei deva governar a sua comunidade, isto é, se governe a si mesmo.

E, todavia, não é precisamente isso que dizem ser a democracia? A comunidade a governar-se a si própria?

O Rei não tem nada que acolher todos os políticos. Um Rei português não teria nada que acolher comunistas, por exemplo. São agentes de uma ideologia anti-nacional e, por consequência, anti-portuguesa. Quando não são agentes directos de potências estrangeiras.
Antes pelo contrário, deve denunciá-los, expô-los pelo que são, e usar de todo o poder à sua disposição para impedir que possam obter qualquer poder para levarem a deles avante.
Independentemente de o povo estar convencido de que é o melhor. Porque um Rei, se representa a comunidade, representa a passada, a presente e, mais importante, a futura. E desses, ninguém conhece a opinião. Quem diz comunistas, diz tudo o que seja anti-português.

muja disse...

O meu comentário era para o poste de baixo...

Anónimo disse...

Porra, pá.
O Luís Lavoura não está, só pode.

O homem precisa da sociedade, a sociedade precisa de símbolos, dão-lhe coesão.
Eu percebia isto com 14 anos.

Ah, por acaso, também sou um cientoino, mas prontos ainda não embirutei, como parece que está a ocorrer com o Luis Lavoura.

xyz

muja disse...

Eu não sei se o homem precisa de símbolos tanto quanto os cria independentemente de querer ou precisar.

Acho que é isso que a Zazie está a dizer. Que não se escolhe precisar de símbolos ou não. Faz parte da própria natureza humana.

Duarte Meira disse...


Diziam os francelhos vintistas que a Carta tinha sido escrita pelos ingleses... (Foi provavelmente escrita por aquela comissão à qual el-rei D. João, em 1823, tinha cometido o encargo de elaborar um novo projecto, alternativo à de 22; não se sabem os nomes dos componentes mas, muito provavelmente, faria parte dela o doutíssimo Silvestre Pinheiro Ferreira,aristotélico eminente, bem capaz de, à luz da Politeia do Estagirita, ter composto essa obra-prima do equilíbrio teórico entre a monarquia, a aristocracia e a democracia, que é a nossa Carta.)


O caro Rui A. propõe "irmos a Inglaterra" mas, pelos vistos, a Carta não serve. Então?... -

O que nos propõe é muito interessante : repensarmos a diferença VITAL entre o que é uma constituição histórica e o que é um mero documento escrito cerebrado conjunturalmente por umas cabeças iluminadas por ideologias, ou derivadas de filosofias de bom cunho, ou das mitologias e interesses mais ou menos escusos das lojas.

Interessante, mas intempestativo, inactual. Não importa. Por isso mesmo é mais interessante ainda, nestes tempos em que estamos cada vez mais fartos de cada vez mais o mesmo. E nunca se sabe que rupturas súbitas e brutais podem de repente viabilizar o que parecia inviável.