28 fevereiro 2013

como bancos e poder político enganam o povo há séculos

Para percebermos sucintamente como foi a deturpação do estatuto legal do depósito que desaguou na percepção errada da actividade de crédito bancário como expandindo a partir de uma base natural dos depósitos e procedendo depois à sua criação pura (para ganho dos bancos, grandes credores/empresas e poder político), vamos recorrer a Huerta de Soto que escreve no seu livro “Moeda, Crédito Bancário, e Ciclos Económicos” no seu capítulo 2 em que analisa a evolução histórica das práticas bancárias quanto aos depósitos e crédito:
“Vamos agora examinar três casos particulares que, juntos, ilustram o desenvolvimento da banca medieval: os bancos Florentinos do século XIV; Banco de Barcelona de Depósitos, o Taula de Canvi, no século XV e mais tarde, e o Banco Medici. Esses bancos, como todos os bancos mais importantes do final da Idade Média, mostram consistentemente o padrão que vimos na Grécia e em Roma: bancos que inicialmente respeitavam os princípios legais tradicionais encontrados no Corpus Juris Civilis, ou seja, operando com 100 por cento de reservas, rácio que garantia a guarda do tantundem e a sua constante disponibilidade ao depositante. Então, gradualmente, devido à ganância dos banqueiros e cumplicidade dos governantes, esses princípios começaram a ser violados, e os banqueiros começaram a emprestar dinheiro dos depósitos à ordem, muitas vezes, de facto, aos próprios governantes. Isso deu origem à reserva fraccionária e à expansão artificial do crédito, que na primeira etapa parecia estimular fortemente o crescimento económico. Todo o processo terminava numa crise económica geral e na falha de bancos que não podiam devolver os depósitos quando a recessão aparecia e perdiam a confiança do público. Sempre que os empréstimos eram sistematicamente efectuados a partir de depósitos à ordem, é uma constante histórica a falha no sector bancário. Além disso, as falências bancárias eram acompanhadas por uma forte contracção na oferta de moeda (especificamente, a escassez de empréstimos e depósitos) e pela recessão económica assim inevitável. Como veremos nos capítulos seguintes, foram necessários quase cinco séculos aos estudiosos económicos para compreender as causas teóricas de todos estes processos."
E assim, o crédito hoje expande-se  não por intermediação de poupança prévia mas por emissão (inflação quantitativa) de moeda. O problema económico (das bolhas seguidas de crises) nasce de um problema jurídico.

PS: uma pitada de populismo não faz mal a ninguém.

4 comentários:

Ricciardi disse...

Meu caro CN, o Huerta é um gajo porreiro. Mas convém apresentar a solução ultima que ele apresenta para resolver o assunto. É curiosa. Tenha lá a coragem de a publicar. Eu tive de ter paciencia de santo para chegar ao fim e perceber finalmente a solução dele. Que é espantosamente keynesiana.
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Anyway, O sistema, a que Huerta alude, 'degenerou' por um motivo muito simples, convem tambem dize-lo. A existência de concorrência bancária. Sem concorrencia não era possivel expansão crediticia. Eu penso que já referi isso, num comentario lá para trás, por isso não volto a fazê-lo para não chatear mais do que já chateio.
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No entanto, convem rectificar uma coisinha. O problema da inexistencia de fundos e falência de bancos tambem se dá se a taxa de cobertura for de 100%, isto é, se o crédito concedido for equivalente aos depositos captados.
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Nunca é possivel assegurar a retirada total de depositos quando os mesmos estão aplicados em crédito concedido. Os bancos, como as seguradoras, lidam com probabilidades, históricos e expectativas.
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O mesmo é dizer que a expansão do crédito é inevitável numa economia aberta e em perfeita concorrencia bancária. A única forma de contrariar isto é exigir, como fazem as economias planificadas, taxas de reserva legal muito elevadas (às vezes era mesmo preciso, por outros motivos,adiante).
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Isto é, que o crédito concedido seja imensamente inferior aos depositos obtidos. Nesse caso, o negócio deixa de ter interesse. O negócio bancário não é guardar dinheiro. Não lhe cobram por guarda-lo (pese embora estejam a cobrar comissões de manutenção, estupidamente). O negócios é empresta-lo a quem dele não precisa. Essa é que é a verdade. E emprestá-lo numa dimensão que permita acomodar saídas de depositos previsiveis e normais, acomodar incumprimento e outras cenisses.
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Por tudo isto, não é possivel, reduzir muito mais a taxa de cobertura e, simultaneamente, remunerar os nossos depositos. Se baixam a taxa de cobertura muito mais, a solução da banca só poderá ser a não remuneração dos passivos à sua guarda e responsabilidade.
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Ora, para ter dinheiro sem remuneração, é preferivel, e mais seguro, te-lo num cofre forte.
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Nada disto tem a ver, saliente-se, com emissão de moeda por parte dos bancos centrais.
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A banca é essencial para a manutenção do nosso nível de vida. Poupança, Credito, Investimento, Consumo, numa cadeia auto-alimentada destes factores que keynes tão bem soube perceber.
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Por outro lado, não pode o mercado ser tão liberal, tão desregulado que eles, os bancos, possam inventar cenisses que degeneram em bolhas e crises como aquela que assistimos em 2008.
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Os liberais afirmam, não consigo perceber como, que a crise deveio de restar um migalhinha de regulação. Essa migalhinha é que foi a responsável pela crise. Nada mais errado. A regulação nunca devia ter-se reduzido a uma migalhinha. Devia ter-se mantido um bom naco, e aperfeiçoado, para evitar fazer-se o que se fez.
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Em todo caso, mesmo que utópicamente tudo pudesse estar regulado, as crises aconteceriam sempre.
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Só mesmo os austriacos é que acreditam no Movimento Perpectuo da prosperidade liberal. Um mundo sem crises é um mundo sem seres humanos.
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Como diria o Dragão, um gajo corre para cair na crise e quando bate no fundo levanta-se para voltar a correr avidamente para a próxima crise.
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Rb

CN disse...

Rb, mantenha a claridade.

Im depósiob é um depósito.

Um operação de crédito é uma operaçào de crédito.

Luís Lavoura disse...

O problema económico (das bolhas seguidas de crises) nasce de um problema jurídico.

Não vejo como. Não há aqui leis nenhumas em ação. Nenhuma lei obriga os banqueiros a concederem crédito a partir dos depósitos à ordem. Como Huerta diz, isso é feito devido à "ganância dos banqueiros", não devido a quaisquer leis.

O que acho curioso é que o CN, que se diz muito liberal, depois pretenda que o Estado, de alguma forma, intervenha para proibir a prática bancária do crédito a partir de depósitos à ordem, prática essa que é normal na banca privada.

CN disse...

Luís

Já antecipava esse argumento, depois escrevo sobre isso e debatemos esse aspecto.