24 janeiro 2013
uma espécie de privilégio
Para o PA,
Uma das características mais curiosas da cultura católica é o ênfase na palavra, especialmente na palavra escrita. Por alguma coisa as três principais religiões monoteístas são conhecidas como as “religiões do livro”, derivam as suas doutrinas de livros fundacionais que lhes conferem as raízes teológicas.
Esta característica, se tem uma vertente positiva, tem uma outra bastante negativa. É que qualquer pessoa, que numa noite de insónia se entretenha a ler a Bíblia, o Talmude ou o Corão, se pode considerar e arvorar logo em teólogo certificado, senão mesmo em profeta, embora no Islão seja de todo recomendável que se consulte bem o travesseiro antes de revelar ao mundo essa convicção.
As múltiplas seitas protestantes resultam certamente de muitas noites passadas à luz das velas, sem o aconchego que nos leva a rogar a Deus que nos perdoe por procrastinar os votos de castidade, se me permitem dar prova de erudição invocando aqui as Confissões de Santo Agostinho.
Mas o vício da leitura, entre os católicos, quase nunca se limita à Biblia, que rapidamente remetem para a mesinha de cabeceira juntamente com um exemplar de “O Homem, esse desconhecido”, do Allex Carrell. Com o passar do tempo, o vício estende-se aos códices jurídicos, ao Diário da República e, mais recentemente, até à Constituição.
É verdade, em cada português habita agora, fruto das circunstâncias, um homúnculo constitucional que lhe sopra ao ouvido heresias jurídicas de pôr os cabelos em pé. Qualquer um se tornou num jurisconsulto, capaz de garantir a inconstitucionalidade da Constituição, com base no direito natural. Um exercício que o CN certamente não desdenharia de aprovar.
Ora nestas congeminações o significado das palavras é fundamental se queremos ter razão, isto é, se procuramos a Verdade. Porque fácil se torna enredarmo-nos nos nossos próprios argumentos, como aconteceu a D. Quixote, o cavaleiro da triste figura, que acabou a lutar contra moinhos de vento: ‹‹a razão da minha falta de razão torna-se de tal modo na fraqueza da razão que com razão me queixo da vossa formusura››.
Na ausência de moinhos de ventos, em Portugal acabaríamos a investir contra os modernos aerogeradores, o que pode ser pior do que declarar-se profeta no Islão, por atrair a ira das tríades chinesas.
E nem as inteligências mais fulgurantes estão imunes a este perigo. O PA, por exemplo, que se tem dedicado com afinco ao estudo do Catecismo Católico, revela alguns sintomas patognomónicos que, como bom amigo, me sinto compelido a observar.
Algumas palavras fazem-lhe espécie, por exemplo: “espécie humana”, o que será? Já concluiu que a espécie não é uma comunidade porque janta todos os dias com a comunidade, mas nunca jantou com a espécie.
Outra palavra que o preocupa é: “privilégio”. Os beneficiários da ADSE são privilegiados ou não? Eu teimo que não, O PA está convicto que sim.
Privilégio vem do latim, privilegium — lei especial. Nesse sentido, penso eu, os beneficiários da ADSE não podem ser considerados privilegiados porque já tinham ADSE (1963) muito antes de haver SNS (1979) e, portanto, se diferenças há, seria mais correcto afirmar que talvez os utentes do SNS são desfavorecidos relativamente aos da ADSE.
Mas decidir se há privilégio ou desfavorecimento será uma “espécie de privilégio” para o PA, um homem da religião do livro, para quem a palavra se faz luz, para benefício de todos nós. Não esqueçamos que “no princípio era o Verbo” — (João 1:1-3).
Eu por mim, estou disposto a conceder que há diferenças entre a ADSE e o SNS, mas a principal diferença parece-me residir na liberdade de escolha e, como fã da liberdade, aposto na ADSE.
E agora vou mergulhar numa espécie de livro que tenho o privilégio de possuir, um Kindle.
ABÇ
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11 comentários:
Depois não se esqueça de lavar a dentuça, que isso de comer chocolates antes de deitar é mau hábito
":OP
Hola Zazie
:-)
Bem escrito Joachim. E sim, visto assim, de facto a ADSE já existia antes do SNS. Vc tem razão porra.
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Portanto a palavra «previlégio» não se aplica adequadamente. Eu substituo-a pela palavra «injustiça».
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Não é justo que os FP's só paguem 1,5% do seu salário para a ADSE e que sejam os NÃO-FP's a suportar a diferença.
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O que seria justo era eles se sustentarem a eles próprios, como qualquer seguro.
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Rb
Obrigado, Joaquim.
(PS. Fiquei intrigado com uma coisa. O que é patognomónicos? Vem de pato? Está-me a chamar pato?)
PA
Os seguros de saúde abatem no irs. Uma injustiça para todos os que não têm seguro se saúde.
bem , Joaquim , sintomas patagnómicos de alogia ? favorecer ou privilegiar não vai dar ao mesmo ?
Joaquim!... acabaríamos?... você já investe contra tudo que é aerogeador ou que suspeite ser minimamente ecológico...
Por acaso estou sensível aos seus argumentos... a ADSE não me parece nada mau negócio para o estado. E quem tem adse gosta... e também julgo saber que além dos 1,5%, os beneficiários pagam parte das consultas etc... ou já está nos 1,5%?... -- JRF
Bons Cristãos deveriam lutar por desenvolvimento económico e uma economia de classe média, dentro do contexto de um estado-nação soberano, no modelo renascentista. Se fizéssemos isso, não teríamos de andar a disputar pequenas, miserabilistas migalhas de uns quaisquer restos de qualquer coisa. Fazer muitos pães, em vez de repartir um único pão bolorento a peso de ouro - é isso que funciona.
O que inicialmente capturou a minha atenção neste post foi a referência a Alexis Carrell, eugenista insano, admirador de Mussolini, Hitler, Stalin, um dos pais fundadores de Vichy. "Man the Unknown" é uma das obras mais obscurantistas e genocidas alguma vez escritas, e deve ser lido no original em inglês. Só aí se ganha uma real percepção da profundidade das intenções deste empregado da fundação Rockefeller, quando fala em assassinar crianças pequenas e em erradicar "inaptos" em câmaras de gás.
Manter este livro ao lado da Bíblia é uma ideia simplesmente perturbadora e ofensiva.
Mas é interessante ver como esse pequeno panfleto exterminatório está a ganhar tracção outra vez, juntamente com muitos outros panfletos exterminatórios, alguns dos quais bastante pós-modernos (olá sustentabilidade).
Nos anos 30, Carrell foi o guru ideológico informal da T4 e do genocídio medicalizado do III Reich. E nos dias de hoje?
Caro PA,
Patognomónico é uma espécie de privilégio que os médicos têm para se "espoldrinharem".
Ups
Se a indústria do convencionado se engalfinha (e se engalispa) na defesa da ADSE, cheira-me que é um mau negócio para o contribuinte.
Os funcionários públicos (FPs) pagadores de impostos (incluindo IRS) têm direito a usar os serviços do SNS, como qualquer outro pagador de impostos.
A (única) questão relevante é: Os custos da ADSE são pagos na totalidade pelas contribuições específicas dos FPs para este subsistema ? Se sim, estamos perante um seguro de saúde equivalente. Se não, trata-se de um privilégio pago por todos os contribuintes.
AS
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