28 janeiro 2013

Teoria e história

(Lamento vir com mais abstracções mas como fez parte de muito palavreado meu enquanto comentador por aqui, quis voltar ao assunto de forma um pouco mais organizada e depois partir para outra.)

A grande luta intelectual de Mises no seu tempo foi com o historicismo (cuja face moderna é o empirismo).

Diz Mises:
"In the view of historicism the field of the science of human action is constituted only by history and the historical method. Historicism maintains that it is a waste of effort to search after universally valid regularities that would be independent of time, place, race, nationality, and culture. All that sociology and economics can tell us is the experience of a historical event, which can be invalidated by new experience. "
                       Epistemological Problems of Economics - The Task and Scope of the Science of Human Action

No prefácio sobre a última obra de Mises, "Teoria e História", Rothbard diz:
 "in the words of the original motto of the Econometric Society, "Science is prediction." And to become a "hard" or real science, economics must treat individuals not as unique creatures, each with his or her own goals and choices, but as homogenous and therefore predictable bits of "data.
Mas o quantitativo no campo da acção humana perde aplicabilidade (no campo de formar uma ciência quantitativa) porque:
- as nossas preferências não são mensuráveis mas apenas ordenáveis: prefiro A a B e B a C. Não prefiro A o dobro de B e B 2,15 x C. Um problema para os neoclássicos
- e ainda que alguma espécie de quantidade fosse possível atribuir a "utilidades" não existem fenómenos homogéneos ao longo do tempo para aplicar uma mesma medida. E ainda que os houvesse, aquilo que sabemos amanhã não é previsível (o estado do nosso conhecimento), e aquilo que sabemos amanhã conduz-nos a comportamentos diferentes perante, por hipótese, o mesmo fenómeno dito homogéneo (mas como digo, uma impossibilidade ou na verdade até uma contradição dado então nunca se tratar do mesmo fenómeno homogéneo).
E como diz Hoppe (Economic Science and the Austrian Method), o primeiro problema dos empiristas é que uma proposição afirmando que não existem leis não-empiristas é ela própria uma afirmação não-empirista aparentemente não passível de provar empiricamente. Como sabem que têm razão?

Ora  o interessante na praxeologia de Mises é que de certa forma afirma que não existem regularidades mecânicas e quantitativas mas existe pelo menos  a possibilidade de tecer leis universais que restringem a nossa acção, derivados da realidade da condição de escassez de meios para prosseguir fins que a natureza humana não cessa de perseguir porque--- age.

Mas vamos a exemplos de leis universais que não carecem de verificação empírica, a ser postas em causa terão de se demonstrar a sua invalidade lógica dentro da acção humana (Hoppe):

"Law of marginal utility: Whenever the supply of a good increases by one additional unit, provided each unit is regarded as of equal serviceability by a person, the value attached to this unit must decrease. For this additional unit can only be employed as a means for the attainment of a goal that is considered less valuable than the least valued goal satisfied by a unit of such good if the supply were one unit shorter.
Or take the Ricardian law of association: Of two producers, if A is more productive in the production of two types of goods than is B, they can still engage in a mutually beneficial division of labor. This is because overall physical productivity is higher if A specializes in producing one good which he can produce most efficiently, rather than both A and B producing both goods separately and autonomously. 
 [Nota: e nesta lei de Ricardo (generalizada para a cooperação social) um meio de troca é                      conveniente para esta especialização, começando por constituir-se como um bem valorizado por qualquer outro motivo que começa a ser utilizado por se tornar crescentemente o mais "líquido" em diversos actos de troca até que ganha valor apenas e só por constituir um meio de troca universalmente aceite. Passa a ter uma procura apenas para esse fim - como meio de troca - independentemente de ter tido ou ainda ter outro tipo de procura para outro fim.]
Whenever the quantity of money is increased while the demand for money to be held as cash reserve on hand is unchanged, the purchasing power of money will fall.
O que é que liga estas afirmações à realidade? o facto de falarem da acção humana, com um propósito e que implicam a escolha de meios para atingir fins escolhidos e que levam tempo.  É como dizer, que preferimos mais do que menos (ainda que com utilidade decrescente) e antes do que depois (é esta preferência que forma a natureza do juro). E que produzir mais fins (os que cada um prefere segundo a sua ordenação não cardinal) com menos meios e antes do que depois é um fim geral da acção humana.

Assim, não é possível prever quantitativamente grandezas e situá-las no tempo, é possível tecer leis gerais que representam restrições universais à acção humana: é necessário tempo e no mínimo o acto de não-consumo (de fins) para produzir bens (meios) que aumentem a produtividade na prossecução de determinados fins.

Outro aspecto da questão - diz Rothbard sobre os neoclássicos - é aplicabilidade ao génio humano e o seu papel na capacidade de coordenar e mesmo criar meios inexistente para satisfazer fins desejados pelas pessoas, ou mesmo, que ainda nem sabem porventura que o vão desejar (porque nem o conhecem).
"One reason orthodox economic theory has always had great difficulty with the crucial concept of the entrepreneur is that each entrepreneur is clearly and obviously unique; and neoclassical economics cannot handle individual uniqueness."
O ponto de partida é claro o axioma de acção humana:
Professor Hans-Hermann Hoppe explains this in his treatise, Economic Science and the Austrian Method:
[T]he proposition that humans act ... fulfills the requirements precisely for a true                 synthetic a priori proposition. It cannot be denied that this proposition is true, since the denial  would have to be categorized as an action — and so the truth of the statement literally cannot be undone!
This also implies that the action axiom is a statement about a fact of reality. Even though an individual might try to deny the axiom, his real behavior attests to its existence. Action is the deliberate employment of means for attaining ends. In this case, the actor's end is the denial of the action axiom. His attempted means is the statement, "Humans do not act."  
          Em Doubt the Action Axiom? Try to Disprove It, Gennady Stolyarov II

8 comentários:

Francisco disse...

"[T]he proposition that humans act ... fulfills the requirements precisely for a true synthetic a priori proposition."

Eu não sei qual é a posição do CN, mas eu tomaria isto com muita desconfiança.

É uma proposição útil para desenvolver uma teoria que explica melhor alguns fenómenos? Óptimo, go for it. (nem me vou meter a discutir se isto é útil ou não para as ciências sociais, porque só poderia dizer asneira).

Agora... dizer que é um axioma, puro e duro, aplicável a toda a realidade, sem excepção, não se meta nisso. O argumento da negação parece-me absurdo (apesar de ter alguma piada), há uns dias atrás eu nem queria acreditar que este argumento era usado a sério.

CN disse...

O argumento está mais desenvolvido no texto referido.

Pode ver aqui
http://mises.org/esandtam/pes1.asp

E onde diz:

"In order to better understand his explanation, we must make an excursion into the field of philosophy, or more precisely into the field of the philosophy of knowledge or epistemology. In particular, we must examine the epistemology of Immanuel Kant as developed most completely in his Critique of Pure Reason. Mises's idea of praxeology is clearly influenced by Kant. This is not to say that Mises is a plain and simple Kantian. As a matter of fact, as I will point out later, Mises carries the Kantian epistemology beyond the point at which Kant himself left off. Mises improves the Kantian philosophy in a way that to this very day has been completely ignored and unappreciated by orthodox Kantian philosophers. Nonetheless, Mises takes from Kant his central conceptual and terminological distinctions as well as some fundamental Kantian insights into the nature of human knowledge. Thus we must turn to Kant."

Pode ser que suscite a sua curiosidade.

CN disse...

Não sei o que quer dizer com isto

"Agora... dizer que é um axioma, puro e duro, aplicável a toda a realidade, sem excepção, não se meta nisso"

Dentro do problema da ciência económica (e Mises tem um grande trabalho a limitar o campo onde a ciência económica pode dizer alguma coisa e onde não pode) é esse o ponto de partida.

Porque se "não age" não existem meio nem fins. Se age, faz escolhas dos fins e dos meios para os obter.

CN disse...

"O argumento da negação parece-me absurdo (apesar de ter alguma piada), há uns dias atrás eu nem queria acreditar que este argumento era usado a sério."

As afirmações sem contradição lógica (dentro de um determinado campo, e neste é o da acção do homem - pressupondo que age) e as afirmações com contradição valem o mesmo?

Francisco disse...

Posso estar extremamente enganado, mas entendi por este post que Mises defende que a sua praxeologia é o único caminho indicado em todas as ciências sociais. Se estou enganado fico já mais aliviado.

"As afirmações sem contradição lógica (dentro de um determinado campo, e neste é o da acção do homem - pressupondo que age) e as afirmações com contradição valem o mesmo?"

O engraçado é que há algumas ideias com contradição lógica que valem MAIS do que afirmações sem contradição, porque vai-se a ver, e até estão sistematicamente mais próximas da realidade, por motivos que nos ultrapassam.

A coerencia lógica é certamente um bom indicador de que certa ideia até pode ser interessante, mas o último avaliador das ideias científicas é sempre a realidade.


E com isto não quero estar a afirmar que as ideias da escola Austríaca não têm nada a ver com a realidade, ou que são piores que as alternativas econométricas, porque obviamente não estou em posição de discutir isso.

CN disse...

"O engraçado é que há algumas ideias com contradição lógica que valem MAIS do que afirmações sem contradição, porque vai-se a ver, e até estão sistematicamente mais próximas da realidade, por motivos que nos ultrapassam."

Parece-me que falará de sentenças na ordem da psicologia e comportamental, oo por aí.

muja disse...

CN,

V. diz que essa tal Law of marginal utility não carece de demonstração empírica. Verdade. Mas apenas porque está lá isto:

provided each unit is regarded as of equal serviceability by a person

Ora, esta ressalvazinha encerra em si a necessidade de verificação. Sem esta ressalva, a lei passa a necessitar dela.
No entanto, esta condição está bem longe de ser evidente. Eu alegaria mesmo que, se alguma coisa, é o seu contrário que é evidente:

Cada unidade não é igual para duas pessoas escolhidas ao acaso.

A teoria económica é um gigante com pés de barro, porque assenta nestes pressupostos que foram criados, não porque reflectem mais ou menos precisamente a realidade, mas porque convém ao resto da teoria. Sem estes pressupostos, há pouco que se aproveite.

Pode argumentar-se que o mesmo acontece, com vários graus, nas outras ciências. Sim. Verdade. Mas na Fīsica ou Química, os pressupostos são validados constantemente pela experiência empírica. E, quando não são, o resultado não é completamente ignorado, como se não interessasse nada... Pode ficar de molho por ser pouco relevante na práctica: Quando se desprovou o pressuposto de que o espaço e o tempo são absolutos, com a constância da velocidade da luz, isso não causou a ruína da Física: de facto, grandes avanços no domínio da técnica e engenharia se fizeram com recurso a uma física que se sabia grosseira (salvo seja) e "arredondada", mas que era precisa o suficiente. Os pressupostos são escolhidos com cuidado, e têm de reflectir minimamente a realidade objectiva.

Ora é isto que contesto na Economia: acho que nenhum dos pressupostos assumidos reflecte minimamente a realidade: são todos simplistas e de uma ingenuidade científica que é quase risível. Por si, isto nem tem problema algum, todos os candidatos a ciência passam por isso acho e a Economia é, por todos os padrões, uma ciência jovem. O problema é que a Economia se fechou sobre si mesma, achando que sabe o suficiente para não precisar de mais nada, senão de si própria. A isto não será certamente alheio o facto de ser completamente manipulada por quem mais aproveita dos desaires que a implementação de uma teoria com falta de correspondência práctica traz.

CN disse...


"Cada unidade não é igual para duas pessoas escolhidas ao acaso."

Mas alguém o disse? tal como está descrita não existe contradição.

Repare que todas objecções que se possa fazer em relação a estas leis apriori podem ser exponenciadas em relação a qualquer tentativa de constituir modelos empíricos. Aí então é que se pode por em causa tudo, a própria construção das variáveis, das medições, das relações temporais,etc.

O que a praxeologia faz é deduzir leis assentes na "acção humana".

E são meras leis gerais, sem capacidade de previsão a não ser conceptualmente (a emissão de moeda tudo o resto constante conduz ao decréscimo do poder de compra dessa moeda... etc.... mas não em que quantidade, nem quanto, nem quando) como os empiristas pretendem e nunca conseguiram de resto.

No fundo, os austríacos dizem que a única coisa que se pode conhecer em economia são as leis passíveis de serem expressas com base na realidade da acção humana e nada mais.


A crítica à praxeologia, acho que nem se dá conta disso, é então a crítica a "nem sequer isso é possível", ou seja, não existe de todo economia.