29 janeiro 2013

capital virtual


A irrealidade do sistema monetário e a prova de que os próprios reguladores e eu diria até os próprios banqueiros percebem mal o próprio sistema em que operam (de resto, a própria constatação das recorrentes bolhas/crises bancárias provaria isso de qualquer forma) pode ser visualizada nos aumentos de capital dos bancos onde estes oferecem incentivos para que os clientes ou outros participem no aumento de capital com o recurso ao crédito do próprio banco.

Eu já referi este assunto várias vezes. Aqui vai outra vez:

Banco anuncia aumento de capital e oferece crédito para os subscritores do capital (estas operações já tiveram lugar e foram públicas e por isso têm o conhecimento e consentimento dos reguladores). E de resto temos a operação de entrada no capital do BANIF pelo Estado que, bem vistas as coisas, podia ser assim realizado pelo processo abaixo descrito e assim nada ser necessário ao Estado despender. Basta onde está crédito ler Dívida do Estado e onde está DO ler conta do Estado junto do BANIF.

1. Vamos ver o que se opera ao nível do balanço partindo de uma situação inicial:

Activo: 1000  (constituído genericamente por uma carteira de crédito)
Passivo: 900 (constituído genericamente por depósitos à ordem e a prazo)
Capital: 100

2. Concessão de crédito pelo Banco aos futuros subscritores de capital

Activo: 1000 + 100 = 1 100 (100 é novo crédito criado “do nada”)
Passivo: 900 +100 = 1000 (100 é dinheiro criado “do nada” e depositado na conta DO dos subscritores que solicitam o crédito para ocorrer ao aumento de capital)
Capital: 100

3. Realização do aumento de capital

Activo: 1000 +100 = 1 100
Passivo: 900 + (100 – 100) = 900, a conta de DOs dos novos accionistas é debitada pelo aumento de capital

Capital: 100 +100 = 200 o capital aumenta por contrapartida do débito das DO´s dos subscritores (que tinham anteriormente sido creditadas pelo crédito concedido)

4. Situação Final:

Nada em termos reais se passou, dinheiro criado do nada serviu para aumentar o activo (crédito concedido) e o capital foi aumentado e para cúmulo, os rácios de solvabilidade aumentaram:

Rácio de solvabilidade simples inicial = Capital / Activo = 100 / 1000 = 10%
Rácio de solvabilidade simples final = 200/ 1100 = 18%

Se alguém quiser por em causa o raciocínio faça o favor. Isto não quer dizer que este efeito se passa na totalidade dos aumentos de capital em bancos, mas em parte é, e a mera possibilidade de poder ser revela o sistema.

Claro que isto representa a total subversão do conceito de capital, que deve constituir, sim, poupança monetária prévia (abstenção de consumo) precisamente para servir de capital mobilizável a qualquer momento para fazer face a perdas potenciais e financiar a actividade.

15 comentários:

Ricciardi disse...

Caro CN,

Respondo a isso como já o tinha feito anteriormente:
.
O exemplo que apresentou traduz um racio de solvabilidade normal que é aplicavel a analise de empresas não financeiras. O mesmo é dizer que não é aplicável a empresas financeiras.

Quanto às empresas financeiras, esse rácio, foi redifinido nos acordos de basileia, cujo calculo é muitissimo mais complexo e que pondera várias variaveis sobretudo em três grupos:

1- Requisitos de Capital
2- de Supervisão
3- de Mercado

O calculo de 1- tem a ver com ponderações sobre o risco dos activos ou a qualidade dos activos (crédito) sob ponto de vista das garantias subjacentes. Quer dizer, um hipoteca desconta 50%, um credito ao consumo sem garantias desconta 100%, titulo de estados com ratings baixinhos 200%, activos sobre outros bancos comerciais uns 30% etc etc etc.

O calculo 2- avalia o risco sistémico, o risco legal, o risco de falta de lquidez, a reputação inclusivé etc etc etc

O calculo 3- avalia a forma como o banco está a relatar a informação ao mercado;
.

Portanto, esse aumento de capital do BANIF não pode ser considerado tão linearmente quanto a formula geral da solvabilidade que apresentou. Será avaliado segundo os 3 pontos atrás mencionados e que descontam riscos vários no seu calculo.
.
Agora, se esses riscos tem sido correctamente considerados é que eu acho que não. Desde logo porque os «avaliadores» não tem sido sérios, desde o BCE até às agencias de notação, passando pelos vários bancos centrais de cada país que facilitam a coisa para os seus próprios bancos.
.
Por outro lado, parte de alguns riscos que são avaliados, são-no por entidades de auditoria que, como sabemos, também não são tão sérios assim.
.
Em suma, os seus cálculos dos indicadores de solvabilidade (para a banca) não estão correctos. A solvabilidade para a banca é bem mais exigente; mede-se de forma diferente, como eu acima referi. Precisamente para que não haja batota.
.
PS. Prometo não lhe atazanar mais a cabeça. eheheh. Mas considere os acordos de basileia para refazer esses seus calculos.
.
Rb

CN disse...

Rb

Está a deixar as arvores taparem-lhe a visão da floresta.

O problema parece-me tão evidente que nem sei como lhe responder ou argumentar.

Ricciardi disse...

Pode começar por fazer o calculo correcto.
.
Rb

CN disse...

O calculo correcto é que o capital social aumentou fazendo com que a relação entre capital social e o activo (ou seja a relação entre capital e as perdas potenciais no activo) aumentou para o dobro.

Os outros rácios são "tecnicalidades" , como diria Hoppe, é fazer a pergunta como crianças:

O rácio aumentou para o dobro ou não? Mas entrou algum capital? Não"

Ricciardi disse...

Não. Está errado caro CN. O estado entrou com 700 milhões e mais 400 milhões foram em divida convertivel em acções, cuja convertibilidade tem de ser efectuada no prazo de um ano e meio através de dinheiro fresco. É por isso que estão ou estiveram nos EUA a negociar novos accionistas.
.
Não interessa se o capital aumenta ou não à luz das novas regras. Interessa, isso sim, se o aumento de capital tem validade.
.
Rb

Carlos Guimarães Pinto disse...

Talvez falte aí um último passo, correspondente ao pagamento do empréstimo por parte dos clientes do banco. Para poderem pagar o empréstimo, os clientes terão que poupar o que formará o capital do banco.

No fundo, nesta situação o sistema bancário aumentou os seus direitos de saque (na forma de empréstimo), sem assumir qualquer obrigação (na forma de depósito à ordem). Estará assim numa situação mais saudável.

CN disse...

"Talvez falte aí um último passo, correspondente ao pagamento do empréstimo por parte dos clientes do banco. "

CGP, o que estás a dizer é que o capital social aumentar agora (mobilização de recursos agora) por contrapartida da promessa de poupança amanhã (pagamento do empréstimo) será "normal"

Ora isso não faz sentido nem conceptualmente nem contabilisticamente.

Claro que o aqui está em causa é logo na base:

- a capacidade dos bancos criarem e expandirem o crédito por criação de moeda (valores creditados em DO´s). E assim lá vamos às reservas de 100%.

Mas o aumento de capital por este mecanismo, julgo (ou julgava eu) põe em evidência a disfuncionalidade do sistema.

A final porque existem bolhas seguidas de falências sistémicas bancárias?

Aqui, está em causa -> aumenta-se capital (acumulação de capital para fazer face a prejuízos de caixa hoje) pela promessa de pagamento amanhã (a prazo) realizada com o recursos a criação de moeda.

Ricciardi disse...

Mas ó CN, desculpe a insistência, não me leve a mal. Mas está a partir de um pressuposto errado.
.
Para efeitos do calculo da core tier (solvabilidades) os activos tem pesos diferentes. Quer dizer, em linguagem simples, o banco não pode utilizar créditos seus (activos) como quiser. Por exemplo se for um activo sem garantia de hipoteca ou outra garantia qualquer, esse valor não é considerado para o calculo da solvabilidade. Se for um activo com garantia de um estado com notação de risco em estado de lixo tem um majoração NEGATIVA no calculo da solvabilidade. Se for um activo sobre outro banco comercial só conta para efeitos de calculo da tal solvabilidade em 30%. Só se for um activo perfeitamente liquido é que conta.
.
É, digamos, como vc insistir que viu DUAS vezes a bola entrar na baliza. Mas se o arbitro só validou UM golo vc não pode insistir que ganhou por DOIS a zero. Vc viu a bola entrar duas vezes, mas só um dos golos é que foi válido.
.
Rb

CN disse...

Rb

Seja por um ano, ou o tempo que for (ou até ser+a para sempre, basta que não encontrem accionistas até lá).

O Banif de forma completamente virtual podia:

Registar no activo um crédito ao Estado (equivalente a comprar Dívida Pública).

Creditar a conta do Estado junto do BANIF (DO) por esse valor, e depois usar esse valor para o Estado entrar no capital.

Se isto, a sua mera possibilidade, não lhe parece estranha não posso fazer nada por si, ainda que possa continuar a tentar explicar.

CN disse...

Repare.

O capital social serve para alguma coisa. Serva para as pessoas compararem os recursos postos de lado para poder aguentar desvalorização do activo.

O facto dos reguladores fazerem ponderações diversas, e ter a sua utilidade, não obsta que a maior medida, aquela que qualquer pessoa retém de um balanço, é quantos recursos estão expostos em relação a um activo.


O facto desse valor de capital poder aumentar por contrapartida do próprio aumento do activo, sem que nada se passe, a não ser a promessa de pagamento de um crédito a prazo, quando os riscos de desvalorização de um activo, são hoje (a começar pelo próprio crédito concedido virtualmente ao accionista) devia evidenciar o irracional da situação.

Ricciardi disse...

Pois, ora bem, uma coisa em que lhe dou razão é na capacidade que o sistema bancário tinha de criar moeda.
.
No entanto isso agora está bastante limitado. Por um lado não se consideram, como eu acima referi, todo o tipo de activos (critérios quaLitativos), por outro lado existe limites quanTitativos.
.
A banca portuguesa, pelos últimos dados, tem uma cobertura negativa de 120%. Já foi muito maior e foi isso que esteve na origem da crise de 2008 porque os activos eram considerados de forma pouco quaLitativa. E o que é que aconteceu? aconteceu que parte desses activos afinal não valiam nada. Eram tóxicos.
.
Isso já não é possível nos dias de hoje. pelo menos na europa. As ponderações de basileia evitam que isso aconteça. Senão na sua totalidade (existe sempre risco em tudo, até no ouro), pelo menos na sua grande parte.
.
A cobertura passou de 140% para 120% nos ultimos tempos. Portanto a banca está a desalavancar estes rácios. E bem. O ideal era manter as ponderações e baixar o rácio para 100%. Nada a obstar, portanto, a este respeito, no que opinião do caro CN diz respeito.
.

Rb

CN disse...

Rb

Mas então! Se vir o exemplo, o banco cria a moeda para conceder o crédito que depois é usado para o aumento de capital. Para mim é o cúmulo do irracional. Criação pura de capital social.

Ricciardi disse...

«Os accionistas aprovaram, em assembleia-geral realizada no Funchal, a injecção pelo Estado de 1100 milhões de euros no banco, que ficará assim como accionista maioritário pelo menos até Junho.
.
Foi deliberado proceder à emissão de instrumentos financeiros subordinados e convertíveis em acções, qualificadas como capital Core Tier 1 no valor de 400 milhões de euros e ao aumento de capital no montante de 700 milhões em acções, em ambos os casos integrando investimento público, designadamente por subscrição do Estado, nas condições previstas no plano de recapitalização.
.
Foi ainda aprovado o aumento de capital no montante de 450 milhões, através de oferta pública de subscrição, a realizar até 30 de Junho de 2013. Se esta meta for cumprida, o Estado reduzirá a sua participação de 99,2% para 60,6% das acções e de 98,7 para 49,4% dos direitos de voto, regressando então o controlo do banco a mãos privadas.» publico
.
Portanto, CN, não existe criação de moeda alguma. O estado entrou no capital do BANIF com 700 M. Adicionalmente o estado emprestou mais 450 M ao BANIF. O BANIF vai ao mercado até junho procurar novos investidores que substituam o estado em 450 M. Os 450 M que o estado emprestou ao BANIF são como que capital porque são titulos convertiveis em acções.
.
Em suma, entrou dinheiro fresco no BANIF. Não foi o BANIF que emprestou dinheiro ao estado para este aumentar o capital do Banif.
.
Rb

CN disse...

Rb

Eu não disse que "vai fazer assim", eu disse que "podia ser feito assim".

Mas como qualquer Banco a precisar de ajudar, o que ele precisará mais de que capital é mesmo moeda para acrescer -ás suas reservas, e é natural receba as novas reservas (moeda) vindas de fora, para poder acudir e dar segurança a possíveis perdas de depósitos para fora.

O em argumento, é que o simples facto de "poder ser" pelo esquema apresentado evidencia o problema.

Ricciardi disse...

E o 'nosso' problema é exactamente este. O estado tornar-se accionista dos bancos através do endividamento do país. Eu sei que pode ser uma participação temporária. Mas já vimos, estamos cansados de ver, como as coisas temporárias se transformam em prejuízo eternos facilmente.
.
-O BANIF devia falir? Devia.
.
-Os accionistas é que deviam ser chamados a acompanhar as exigências relativas ao rácios de basileia? Deviam mas não era mesma coisa.
.
-O Banco de Portugal devia deixar de ser o corno do sistema bancário? Devia, mas é mais fácil fechar os olhos à infidelidade.
.
-O risco de falência do BANIF é sistémico? Não.
.
-Podia ser feita outra coisa para salvaguardar os depósitos dos clientes deixando falir o banco? Podia. Accionar o mecanismo de protecção de depositos que os salvaguarda até 100 mil euros por conta.
.
- Existiria dinheiro nesse fundo para essa eventualidade? Não.
.
E porque não existe? Porque o corno do BP fecha os olhos.
.
- E porque fecha os olhos? porque nenhum governador foi devidamente chamado a pagar com os seus próprios recursos os problemas que têm ao nível das vistinhas.
.
E porque é que não se vai atrás deles? porque se escudam num sistema juridico eficaz.
.
Mas então é assim a coisa? Não. É pior. A falta de vistinhas dá direito a postos de trabalho melhores. Alguns até chegam a vice-presidente do Banco Central Europeu.
.
Então e o actual? É melhor. Tem vistinhas. Mas está a ir, lentamente, pelo mesmissimo caminho.
.
E que caminho é esse? O Caminho da Servidão.
.
Rb