No seu livro “The Origin of Consciousness in the Breakdown of the Bicameral Mind”, Julian Jaynes defende a intrigante ideia de que a espécie humana apenas desenvolveu consciência nos últimos três mil anos. Antes disso, as suas acções eram comandadas por vozes que vinham do interior do cérebro (hemisfério direito), mas devido à forma como os hemisférios comunicavam, davam a ideia de virem de fora. Por outras palavras, a esquizofrenia era o estado normal do Homem. O silenciamento dessa voz interna coincidiu com o desenvolvimento da consciência dos seus actos. Os seres humanos passaram a estar conscientes da sua responsabilidade em relação às próprias acções. Esta transformação, recente na história da espécie humana, não tem sido muito bem aceite e tem atormentado o Homem desde essa altura. Essa tormenta é bem vísivel nas queixas de abandono em relação a Deus (Jesus Cristo na cruz e, já antes, os judeus na sua caminhada no deserto, são dois bons exemplos disso).
Desde a tomada de consciência da responsabilização pelo seu destino, o Homem tem desesperadamente procurado por formas de escape, desenvolvendo mecanismos que substituam essa voz e os desresponsabilize das suas acções. A popularidade da astrologia, mas também a procura incessante por especialistas e gurus nos mais diversos tópicos são formas de extravasar essa necessidade, procurando a desresponsabilização que a voz nos dava. O aparecimento das religiões monoteístas foi o principal mecanismo de substituição da rsponsabilidade individual, mas um outro se prepara para o substituir: o estado.
18 comentários:
Carlos, 3000? Mais que isso têm as pirâmides...
As pirâmides são, segundo Julian Jaynes, monumentos à Voz que na altura já se estava a perder.
É engraçado este tema porque existe recentemente a ideia, secundada agora pelos neurocientistas, de que o cerebro toma decisões antes da tomada de consciência do acto. Com efeito, Libet fez esta experiencia que tem gerado discussões intensas:
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http://en.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Libet
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Quer dizer, eu já intuía que muitas das decisões que elaboramos são tomadas por impulso ou por instinto. Mas pensava que esses actos eram apenas circunstanciados a reacções instintivas básicas do tipo esbracejo com os braços para não me afogar.
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Ora bem, quando os neurocientistas colocaram um braço mecanico numa pessoa, mutilada, com ligação à zona do cerebro responsavel por movimentar os membros, reparam que a decisão consciente de levantar um braço não funcionava. Que o braço não se movia pela vontade especifica da pessoa. Mas quando ela era obrigada a proteger-se contra o arremesso de algum objecto conseguia move-lo inconscientemente.
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Eu não sei se os testes de Libet (atrás) são rigorosos ou não do ponto de vista cientifico. Mas a serem verdadeiros nunca o ser humano foi livre de tomar decisões per si. Seriamos, pois, uma espécie de computadores de carne em que o monitor seria a nossa consciência, que dá a sensação de que escolhemos mesmo já tendo escolhido.
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Este tema interessou bastante a matemáticos financeiros e psicologos financeiros por causa da bolsa de valores e da decisão de comprar ou vender em fracções de segundos.
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Lehrer que escreveu o livro «How We Decide» dizia que o cérebro humano é feito para criar reações diferentes ao mesmo tempo, às vezes contraditórias, mas que uma das mais importantes era o humor que é influenciado pela quantidade, maior ou menor, de certos quimicos que nos correm nas veias como a dopamina.
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Decisões más de investidores que frequentemente vendem as suas acções de alto valor e mantêm as de valor decadente por temerem absorver a perda das piores acções demonstra que existe uma propensão para que as pessoas tenham aversão à perda e decidam mal vendendo primeiro as que tem mais valor; e, afiançam os especialistas, isto só é contrariado se a decisão for tomada com tempo e alicerçada com a experiência do passado.
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O mesmo é dizer que, se deixamos a decisão ao sabor do impulso, o resultado apenas depende da quantidade de dopamina que nos corre nas veias.
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Por isso, meus caros, antes de tomarem decisão definitiva, contem até 10 primeiro. :)
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Rb
Essa visão da religião monoteísta como desresponsabilizadora é uma completa anedota.
Basta repassar as páginas iniciais bíblicas (Adão e Eva, Abel e Caim)para compreender que o personagem Deus é postulado como o responsabilizador último do ser humano, que questiona os seus actos, que os valora, que lhes atribui consequências. Nenhuma acção lhe é escondida, nehuma fica esquecida. Ultimate accountability.
A responsabilidade é a capacidade de responder pelos seus actos; responder perante alguém, capaz de nos questionar sobre eles. Incompatível, é certo, com a noção de fado (determinismo), mas também com a de acaso (naturalismo).
Rb, as tuas palavras fizeram-me lembrar essa velha definição do ser humano: um animal racional. A verdade é que somos animais, muito mais do que costumamos supor; e muitos dos nossos problemas advêm de nos esquecermos disso.
Até porque, se a racionalidade pode ser vista como um contra-peso ou um controlo dos instintos e impulsos animais, uma fuga ao seu domínio, também é certo que pode funcionar como potenciadora desses mesmos impulsos.
Resumindo: somos muito menos livres do que pensamos. Mas a maravilha é que pensamos em ser livres...
E não é só isso caro RB... por exemplo sabemos que algo está errado muito antes de sabermos porquê ou o quê... isso acontece-me constantemente...
Eu já li esse livro do Lehrer... mas depois foi acusado de plagiador, auto-plagiador e inventor puro e simples... mas não deixa de ser inteligente o sacanita... os judeus têm essa tendência... -- JRF
Rb,
É interessante que o Julian Jaynes já na altura chamou a atenção para a diferença entre acções conscientes (uma pequena parte) e inconscientes (grande parte das acções humanas). Um dos primeiros capítulos do livro é precisamente para definir consciência.
por exemplo , em 1700 ac , há mais de 3000 mil anos , a falta de consciência dos seus subditos , Hamurabi colmatou-a com um código e peras . ao menos havia um ser humano com consciência de responsabilidade individual :)
deve ter sido a opinião mais disparatada que li na vida , essa do Jaynes .
coisa mais imbecil.
Mas como é de um académico é lido e escutado com seriedade. Tem tanto valor como a opinião de um bêbado analfabeto na taberna.
Lá está, um burro carregado de livros é um doutor.
xyz
Marina, interessante o código de Hammurabi ter sido precisamente criado na altura em que o Homem estava a perder a voz interior. Mais do que isso, criado exactamente na área geográfica onde se calcula que a voz foi perdida mais cedo.
Então os desenhos nas cavernas, os machados de silex, etc, foram feitos por esquizofrénicos?
Eu esta teoria não conhecia, mas já tinha lido outra semelhante mas menos controversa. Mas nessa, é no sentido contrário: o homem teria começado a ouvir-se. A ouvir o que dizia aos outros. Com o tempo, terá começado a falar para si próprio, e eventualmente sem vocalizar.
É que há o problema da linguagem. No caso da "minha" teoria (não me recorda de quem é), a linguagem teria surgido por necessidade (vantagem, melhor dizendo) de comunicação entre indivíduos. A audição das vocalizações teria criado um ciclo auto-alimentado no cérebro - fenómeno que hoje em dia se sabe importante em sistemas emergentes e que dá tipicamente origem a grande complexidade.
Talvez venha lá no livro (que nunca li), mas não vejo adequadamente explicada a questão do surgimento da linguagem que aparenta estar intimamente ligada ao problema da consciência.
Já quanto ao ponto da responsabilidade pessoal, acho isso tudo muito relativo... Acho que a religião vem mais de uma sensibilidade ao divino do que de complicadas psicologias. O divino pode até ser apenas uma construção mental, mas não é menos real por isso, e todas as pessoas têm instintivamente uma sensibilidade para ele. Não acho que seja coincidência que a Arte tenha durante a maior parte da história da humanidade andado sempre de mãos dadas (ou à cabeçada) com a Religião.
Não será a religião uma racionalização do divino, e a arte a tentativa de expressão desse sentimento (ou sensação) em bruto?
Essa cena do Libet tem mais que se lhe diga, Rb.
E sim, a experiência é tão científica quando pode ser.
A questão é esta: os sujeitos, embora aparentemente quisessem fazer algo, na verdade começavam a fazê-lo antes de terem plena consciência de que começavam realmente a fazê-lo. Subjectivamente, no entanto, tudo decorre normalmente para o sujeito.
É muito interessante, mas não tão ameaçador assim para o conceito de liberdade. O que isto vem demonstrar é que é um erro considerar a consciência como um processo em série. Normalmente a ideia que temos da consciência é aquilo a que o Daniel Dennett chama o teatro cartesiano, o mind's eye, em que parece que está algo a observar o que passa na consciência, e que o que lá passa obedece a uma ordem causal (à nossa ordem causal subjectiva, note-se). Mas esse modelo leva rapidamente a paradoxos complicados, e não se acomoda com os dados experimentais (como estes testes do Libet).
O Consciousness Explained do Dennett é uma boa síntese do problema. Ele apresenta a sua teoria também, que tem pontos interessantes, mas não é fácil de compreender e é contra-intuitiva para a generalidade das pessoas. Mas os problemas levantados são muito interessantes, e também o apanhado das experiências que se fizeram. Foi lá que vi estas do Libet. Para além disso, fala pouco em religião e ateísmo, pelo que sê lê bem até para os que à partida poderiam ter problemas com isso. Recomendo a quem se interessar por estas coisas.
Parvoeiras.
Como diria o José, Artures Baptistas da Silva não faltam.
não sei..o código de Hamurabi compila leis mais antigas , lá pelos 3000 anos ac , dos sumerios. uma coisa é o inicio da civilização ocidental , outra a tomada de consciência que deve estar ligada à linguagem , digo eu , que disto sei nada.
Mas a Zazie tenho a certeza que da história sabe explicar.
Sim, Marina. Ainda existe um código de leis da Suméria mais antigo que o de Hamurabi.
E também ficheiros de bibliotecas e tudo.
Pensamento, consciência e linguagem hão-de ter sido em simultâneo. O que varia não é a linguagem mas as línguas.
(o resto nem tem ponta por onde se pegue. Não vou perder tempo com tamanha cientoinice mais imbecil).
Alguém é capaz de dizer que as pinturas rupestres não implicavam consciência?
É que é tamanho disparate; tamanha imbecilidade que nem se entende.
Se há algo a que a Ciência moderna- a da psicanálise deve e ainda é inferior, é aos ritos dos povos primitivos.
Estava lá tudo.
E depois, as religiões monoteístas vieram foi trazer responsabilidade individual onde antes havia sorte e azar e magia.
Quanto ao Estado, nem vem ao caso. É cena neotonta metida a martelo.
O corpo é pré-consciente.
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