08 maio 2012

Herman

Eu considero o Herman José um grande comediante. Mas quando o Herman se dedicou aos Talk-Shows perdeu todo o interesse. Ele sabe que foi assim, por isso recentemente voltou a fazer aquilo que sabe fazer e onde tem graça, a caricatura de figuras populares portuguesas, como o Estebes, o Zé Chunga, a Maximiana ou Diácono Remédios.

O Talk-Show não é um espectáculo da nossa cultura, nem sequer existe tradução adequada para a expressão (Espectáculo de Conversa?). Johnny Carson, que nos EUA apresentou durante décadas o famoso Tonight Show, é a referência nesta matéria. E que talentos deve possuir o apresentador de um Talk-Show? Dois, em particular. Escolher pessoas interessantes e pô-las a falar.

Ora, o Herman conseguia por vezes escolher pessoas interessantes, mas nunca as deixava falar. Fazia uma pergunta, o entrevistado começava a falar e ele interrompia logo com um graça que não tinha graça nenhuma, e o entrevistado nunca chegava ao fim da sua história, na maior parte das vezes, nem sequer saía do princípio. O Herman está habituado a ser o centro das atenções, mais uma característica feminina da nossa cultura portuguesa e católica. E isso foi fatal para os seus Talk-Shows.

O Herman será um dia lembrado como um grande comediante, não pelos seus Talk-Shows, mas pelas grandes figuras populares que criou. São figuras do povo, que existem realmente em Portugal, e nas quais ele se inspirou. O Estebes é um homem do Porto, penteadinho, a gostar da pinga, com casaco aos quadrados, gravata azul e fanático do F.C. Porto - a sua característica distintiva. O Zé Chunga arrumador é o fingido português, sempre a fazer de coitadinho, a pedir uma moeda, para comprar um carrinho e uma casinha à mãe que, coitada, está entrevada, e no fim arranca num potente BMW e a casinha é, afinal, um andar nas Amoreiras. Quando alguma pergunta não lhe convém, põe o dedo no lábio, olha para o ar e diz com um ar  inocente: "Olha ... não m'alembra...". Alexandre Soares dos Santos, que parece não ter nada de povo, ainda recentemente fez a mesma figura.  Maximiana, a muher do povo e da aldeia, aproveita estar na televisão para apelar ao amor perdido : "Volta filho ... estás aperdoado".

Quando recentemente estiva na terra natal do papa, em Marktl am Inn, que não deve ter mais de dois mil habitantes, eu tive dificuldade em traduzir para português que tipo de terra era aquela. Uma cidade não era. Uma vila também não. Seria uma aldeia? Sim, mas não tinha nada de uma aldeia portuguesa. As casas eram como nas cidades, a Igreja também, e sobretudo as pessoas eram iguais àquelas que se viam nas grandes cidades. Podia ser um bairro de Munique.

Numa aldeia portuguesa seria diferente. Veria viúvas vestidas de preto, velhos desdentados, pessoas que se vestem de maneira diferente da cidade, existe pelo menos uma tasca distintiva, uma especialidade da região, as casas são também diferentes, o ambiente é rural, existem especificidades e certamente rivalidades que a distinguem da aldeia vizinha. E, procurando bem, vão-se encontrar figuras únicas, às vezes lendárias, cuja história é uma mistura de realidade e fantasia. São figuras populares. É nestas figuras que o Herman se inspira.

Estas figuras não existem nos países do norte da Europa, os países influenciados pelo protestantismo germânico. O Herman nunca poderia ser nesses países o comediante que é em Portugal porque não teria onde se inspirar. São estas figuras que fazem a diferença em Portugal, figuras únicas, distintivas, às vezes extravagantes - as figuras do povo. É o povo que faz a diferença, não os intelectuais. É o povo que não quer ser igual. Na Alemanha ou na Suécia não há povo - há uma massa de cidadãos, uma enorme classe média, feita de pessoas todas iguais, seja em Munique seja em Marktl am Inn.

A democracia - o governo do povo, caracterizado pela igualdade entre todos  - não funciona em Portugal porque o povo não aceita ser igual. Alguém imagina o Estebes a pôr uma gravata vermelha ou a Maximiana a tirar o lenço da cabeça?


3 comentários:

Laranjada Ovarense disse...

E o maior paradoxo lusitano: o facto de o seu maior comediante ser alemão ....

Pedro Sá disse...

Er...o PA vê-se que de humor germânico sabe zero...

Unreal disse...

Quem disse "Volta filho, estás aperdoado" (dirigido ao Adérito) foi a Ivete Marise e não a Maximiana.