08 maio 2012

A fumar

O Miguel Portas soube que tinha um cancro de pulmão num exame preventivo e de rotina.
Aparentemente, foi uma surpresa. Não tinha sintomas nenhuns de estar doente - dores, vómitos, diarreia, perdas de sangue, etc.
Em seguida, submeteu-se ao protocolo: cirurgia, quimioterapia, etc.
A quimioterapia enfraquece seriamente o sistema imunitário e qualquer pequena infecção pode assumir consequências catastróficas.
Ora, disseram-me agora que o Miguel Portas morreu de septicemia, uma infecção generalizada no organismo. Esta informação é coerente com o facto de ter morrido em Antuérpia, e não ter sido transportado para Portugal.
Se assim foi, então ele não morreu de cancro nenhum. Morreu da quimioterapia.
Supondo sempre que a informação da septicemia corresponde à realidade, a minha conclusão é a de que, não se tivesse ele submetido aquele exame de rotina, que desencadeou tudo o resto, e ainda hoje estaria por aí. A fumar.
Aproveito para apresentar aos membros da família que conheço - a mãe e o irmão - os meus pêsames.

PS. Numa entrevista que citei recentemente da Maria Filomena Mónica acerca de outro assunto, ela refere-se à impossibilidade de manter um debate intelectual sério em Portugal, e aponta várias razões. A principal e verdadeira razão, a mãe de todas as razões - digo eu -, é a falta de tradição nesta matéria. Os portugueses não têm hábitos de discussão intelectual.
Depois, há as razões particulares e a MFM aponta várias, todas verdadeiras, na minha opinião. Uma é a atribuição de intenções. Uma das partes faz uma afirmação e a outra atribui-lhe logo uma intenção, normalmente malévola, ou um motivo escondido. Ora a verdade é que acerca de intenções só o próprio é que sabe as que tem - não os outros. Assim, por exemplo, num post anterior que escrevi sobre a Grécia, apareceu logo um comentador, ainda por cima com responsabilidade intelectuais, a dizer que aquilo que eu quero para a Grécia ou para Portugal é um ditador. Como é que ele sabe? E, se quer saber, a única coisa que tem a fazer é perguntar-me porque acerca das minhas intenções só eu sei. E estou pronto a revelá-las. Não desejo ditador coisa nenhuma, mas concluí, infelizmente, que uma figura de autoridade é indispensável para governar e recuperar a Grécia e Portugal.
Não é minha intenção neste post criticar os médicos ou defender o tabaco. Penso o melhor acerca dos médicos e  outros profissionais de saúde que se dedicam ao tratamento do cancro. Fazem o que podem e segundo os padrões que vigoram na sua profissão. Falo por experiência familiar. Tenho também o melhor a dizer acerca do SNS nesta matéria.
O ponto onde eu pretendo chegar é à filosofia ou cultura que hoje está por detrás da medicina, e que é  recente em Portugal e, no caso do cancro, imitada ponto por ponto da América. É uma cultura de massas, científica na origem, que não olha cada pessoa como um caso único e distintivo, mas que a considera igual a todas as outras, e que se pode resumir numa frase: perante tais e tais sinais, aplica-se a chapa 7. Sim, o comentador JRF está certo no comentário que faz a este post, com esta cultura até eu consigo ser médico.

9 comentários:

okpá disse...

E o meu amigo também deve ser fumador. E tem medo mas não quer saber. Óbvio...

joserui disse...

A economia devorou um verdadeiro talento da medicina... uma perda para o país e para o Mundo!... -- JRF

Luís Lavoura disse...

A quimioterapia enfraquece seriamente o sistema imunitário e qualquer pequena infecção pode assumir consequências catastróficas.

Se isso fosse assim a quimioterapia raramente seria utilizada. Se isso fosse assim haveria montes de mortes no decorrer da quimioterapia.

Luís Lavoura disse...

O facto é que o cancro do pulmão é geralmente assintomático e, quando é detetado, é quase sempre tarde de mais. É por isso que é um cancro com uma enorme taxa de fatalidade.
Dizer que M.P. morreu da quimioterapia é pois excessivo. Se não lhe tivesse sido aplicada a quimioterapia provavelmente já teria a esta hora morrido do cancro.

Anónimo disse...

Caro Luís Lavoura,
Não é possível discutir um caso médico em abstracto. Como também não é possível aplicar tratamentos normalizados, na grande maioria dos casos. Desde logo porque os doentes não os aceitam, querem os casos deles tratados de modo particular.

Ricciardi disse...

Bem, olhe, neste ultimo fim de semana na praia conheci um Tuga, aí com uns 55 anos; esse tipo tinha tido há pouco tempo um cancro no cerebro. Tinha um inchaço nas mandibulas e pensava que era um dente, mas não, era um cancro mais acima.
.
Fez quimioterapia e safou-se.
.
Perdeu cabelo, diz que sofreu com o tratamento mas, está cá, para as curvas.
.
Rb

joserui disse...

Chapa 7, sim... e sabe que a chapa a aplicar está muito dependente do modo como está desenhado o formulário que o médico preenche? Até da hora a que o preenche... quanto mais para o fim do dia, mais os médicos tomam decisões que "não os chateiem"... os juízes para o fim do dia, lavram sentenças mais duras... enfim... é um Mundo de humanos... e há por aí quem diga que errar é humano... é um problema de facto... -- JRF

Harry Lime disse...

Eu compreenderia os comentários do PA... se o próprio PA nunca tivesse incorrido nos pecados de que acusa a nossa cultura.

De resto, eu não penso que a nossa cultura seja diferente das outras: nos EUA e em Inglaterra discutem-se os motivos e as razões por detras de cada posição e de cada decisão(a famosa "agenda").

A diferença talvez seja outra: talvez resida no facto de as agendas nesses paises serem assumidas muito mais abertamente do que cá.

Em Inglaterra toda agente sabe que o Guardian é de esquerda, o times é de direita e o Independent não é de nada por uma razão simples: os próprios editores assumem abertamente as suas opções.

Em Portugal, os jornais escondem-se por detras de uma suposta independencia e imparcialidade para prosseguirem as sua sagendas

Os jornais são apenas um exemplo... poderiamos dar muitos outros.

Rui Silva

Harry Lime disse...

O PA e a MFM têm pelo menos a virtude de serem vozes independentes e de toda a gente saber ao que andam.

Acho que as semelhanças entre ambos acabam precisamente aí :):):)

Rui Silva