22 março 2012

os testes de paternidade


No post anterior, escrevi que cheguei à verdade acerca da minha paternidade assentando em dois pilares - o pilar da razão e o pilar da fé.

Qual destes pilares é o mais importante, qual deles - se algum - é indispensável para chegar à verdade, mesmo que se possa prescindir do outro?

No meu depoimento perante o painel de cientistas, à medida que fui contando episódios da minha relação com aquele homem de nome Manuel - episódios baseados em factos reais, mas que não deixaram traço senão na minha recordação - eu fui-me apercebendo da incredulidade crescente dos membros do painel.

Nada daquilo que eu dizia parecia convencê-los porque eu nunca fui capaz de produzir os factos que eles pudessem confirmar para credibilizar a minha argumentação. Em certo momento, um dos membros do painel, mais agressivo, quando eu contava a história das idas ao futebol a partir dos 5 anos, interrompeu-me para me dizer: "Você está a mentir, porque já nessa altura o futebol era um espectáculo para menores de 6 anos". (A verdade é que ia ao futebol a partir dos 5 anos, e nunca fui impedido de entrar, porque o meu pai conhecia alguns porteiros e, se bem me lembro, até lhes dava uma gorgeta). O ambiente degradava-se na sala a olhos vistos.

Mas as coisas atingiram o auge, quando eu já desesperado perante a incredulidade dos membros do painel - excepto o Joaquim - disparei assim como argumento de último recurso: "Aquele homem de nome Manuel é o meu pai porque a minha mãe me disse muitas vezes que ele é o meu pai". Foi aí que os membros do painel científico se desmancharam a rir e foi só quando se recompuseram que um deles, com ar de soberba, voz mansa e um ligeiro sorriso nos lábios me perguntou: "Mas você é daqueles que ainda acredita nas coisas só porque lhe disseram?". Foi aí que eu percebi que estava definitivamente chumbado na tentativa de provar cientificamente que o tal homem de nome Manuel era o meu pai. Como veio a acontecer.

Se fosse hoje, e o meu pai estivesse ainda vivo, eu teria mandado fazer um teste de paternidade, baseado no ADN. Eu posso mentir, e os testes de ADN podem falhar. Mas os cientistas iriam muito mais facilmente acreditar nos testes de ADN do que em todos os episódios que, aos meus olhos - mas não aos deles - demonstravam conclusivamente que aquele homem era o meu pai. Deixarei para outra ocasião a discussão deste tópico - por que é que o avanço da ciência é acompanhado de uma desvalorização da pessoa humana - para admitir prontamente que os testes de ADN podem substituir o pilar da razão em que se baseia a verdade acerca da minha paternidade.

Mas não podem substituir o pilar da fé, não podem substituir a palavra da minha mãe. Sem confiança na palavra da minha mãe não há testes de ADN que consigam chegar à verdade acerca da minha paternidade. Pois suponha, como caso extremo, que   fiz hoje 18 anos e não sei quem é o meu pai. Suponha mais que, tendo atingido a maioridade, eu estou firmemente decidido a saber quem é o meu pai. Como é que faço, mando fazer testes de ADN a todos os homens deste mundo que têm idade para ser meu pai? Impossível, eles não iriam aceitar, nem ninguém, como um tribunal, os iria obrigar.  Excepto se houver uma suspeita fundamentada.

E quem é que me pode fornecer o suspeito ou a lista dos suspeitos? A minha mãe (ou, como substituto imperfeito, alguém que a conhecesse na altura da minha concepção e saiba o homem ou homens que a acompanhavam nessa época).

Aquilo que é certo é que sem a figura central e decisiva da minha mãe, e sem fé na sua palavra, não há ciência que me permita chegar à verdade acerca da minha paternidade. A ciência e os testes de ADN, neste caso como eu muitos outros, apenas provam que o rio corre do monte para o vale. Eles apenas confirmam a verdade que a minha mãe possui acerca de ser Fulano ou Beltrano o meu verdadeiro pai.

Eu posso até dispensar o pilar da razão para chegar à verdade sobre a minha paternidade. Posso admitir, por exemplo,  que o meu pai morreu ainda antes de eu nascer, e eu não tenho nenhuns episódios para recordar acerca dele - como aqueles do futebol - e que racionalmente me ponham no caminho da verdade.

Bastará neste caso a palavra da minha mãe - a de que aquele homem que esta ali na fotografia e que já morreu é o meu pai - para eu acreditar que ele é verdadeiramente o meu pai. Não só, em geral, não tem interesse, como dificilmente uma mulher consegue mentir em relação à paternidade dos seus filhos sem ser facilmente apanhada. Porque a primeira coisa que eu faria em relação ao homem que a minha mãe falsamente me indicou como sendo o meu pai, seria ir ter com ele e chamar-lhe pai, ao que ele me responderia: "Vai chamar pai a outro". (Nesta matéria,  os testes de paternidade tornam a mentira ainda mais fácil de esclarecer, mas são  acessórios porque à mentira, em primeiro lugar, já tinha chegado o homem a quem eu fui chamar pai).

Mas a conclusão principal que eu pretendo salientar aqui é a de que o argumento que o painel de cientistas mais desvalorizou no meu depoimento para chegar à verdade sobre o meu pai - a palavra da minha mãe, a fé que eu expressei na palavra da minha mãe - é precisamente o pilar sem o qual não é possível chegar a verdade nenhuma.

4 comentários:

Textículos disse...

Biological fathers denied right to paternity
Biological fathers do not have the right to legal paternity if their kids already have a daddy, the European Court for Human Rights ruled on Thursday, rejecting the pleas of two German men.
http://www.thelocal.de/society/20120322-41499.html

Anónimo disse...

Mais um excelente post.

Estou a gostar muito de acompanhar as suas reflexões.

Obrigado por partilhar.

O Portugal Contemporâneo é, de facto, um blogue único.

PS - Um anónimo satisfeito por poder voltar a comentar, esporadicamente, um ou outro post sem ser obrigado a fazer login.

Anónimo disse...

Onde se lê "excelente post" deveria ler-se "excelentes posts", visto que me estava a referir também ao anterior, "a ditadura da factibilidade".

Magnífico.

Estou planamente de acordo com a sua reflexão e argumentação.

Sinto-me um privilegiado por estar a "acompanhar" este seu caminho em tempo real.

Uma vez mais, muito obrigado por partilhar.

anonimozinho com nome disse...

Diria mesmo mais: excelente. Também estou muito feliz por poder comentar como anonimozinho sem precisar de fazer login. Que é uma tecnologia ainda mais complicada que escrever um nomezinho sem login.