Eu fiquei surpreendido quando, há certo tempo, ao ler o Prefácio do seu livro Jesus de Nazaré, já próximo do final, o Papa escreveu: "Certamente não preciso de dizer expressamente que este livro não é de modo algum um acto do magistério, mas unicamente expressão da minha busca pessoal «do rosto do Senhor». Por isso, cada um tem a liberdade de me contradizer. Peço apenas aos leitores aquela pressuposição de simpatia, sem a qual não há qualquer compreensão". Não me recordava de alguma vez ter visto um autor apelar à simpatia dos leitores para se fazer compreender.
No último post, eu admiti explicitamente que a questão que me mais me tem ocupado o espírito nos últimos tempos é a da minha própria paternidade. E quem me acompanhou decerto já terá concluído que eu acredito que o homem a quem eu sempre chamei pai - de nome Manuel - era o meu verdadeiro pai. Eu cheguei a esta verdade através de dois pilares, um montado sobre o outro.
O primeiro pilar foi o da razão. Eu posso recordar centenas de episódios da minha relação com aquele homem, e todos convergem para a mesma conclusão racional - a de que ele era o meu pai. Vou aqui mencionar apenas dois, a título ilustrativo. Primeiro, desde os 5 anos era ele quem me levava ao futebol, ver o Eusébio e o Benfica, a minha maior alegria de criança; e, quando me queria castigar, não me levava ao futebol, o meu pior castigo de criança. Ele tinha uma mota e, embora não fosse obrigatório, usava capacete. Quando o tempo permitia, levava-me na mota ao futebol. Ele sentava-me à frente, entre as pernas dele, e nessas alturas punha-me a mim o capacete, seguindo ele de cabeça descoberta. A conclusão que eu tirei mais tarde deste episódio é que ele prezava mais a minha vida do que a dele. Este homem devia ser o meu pai.
Segundo, à medida que os seus quatro filhos foram crescendo foi-se gerando o consenso entre nós, hoje reafirmado a título póstumo, de que o nosso pai era um grande teimoso. Era um daqueles homens que, quando julgava que tinha razão, se tornava obstinado, talvez obsessivo. Era um homem muito convicto, quer na verdade quer no erro, daqueles homens que, quando estão certos, acertam em cheio, mas que, quando estão errados, erram também em cheio. Ora, não é que eu descobri recentemente que os meus filhos - também são quatro e parece que de forma também consensual -acham que eu sempre fui um grande teimoso? Quando fiz esta descoberta, encolhi os ombros e disse: "Saio ao meu pai".
O segundo pilar foi o da fé - uma confiança inquestionável na palavra da minha mãe, que sempre se me referiu àquele homem como "o teu pai". Aquilo que eu gostaria de salientar é que esta fé não é uma fé cega, uma crença sem mais nada. Não. É uma fé racional, é uma fé que assenta na razão. A palavra da minha mãe é a confirmação da conclusão a que os milhares de episódios, como aqueles que referi acima, já me tinham racionalmente conduzido - a de que aquele homem era o meu pai. A fé surge aqui como o último passo da razão, o pináculo da razão e, portanto, é um acto profundamente racional.
Posto isto, eu queria agora imaginar-me perante um tribunal de cientistas, entre eles o Joaquim, que me pedem para demonstrar cientificamente que aquele homem, de nome Manuel, era na verdade o meu pai. Aquilo que se entende por cientificamente é a capacidade para produzir provas factuais suficientes que convençam o painel de cientistas, ou pelo menos a maioria deles, de que aquele homem era, de facto, o meu pai. Factibilidade é o que se exige.
Não vou ser capaz de fazer tal prova. Eu não tenho os factos, certamente que não o facto decisivo - uma relação sexual entre o meu pai e a minha mãe. Eu não estava lá para o testemunhar e aqueles que participaram nele já cá não estão. Eu posso referir-me a factos que efectivamente ocorreram mas não deixaram rasto, excepto na minha memória, como os episódios das idas ao futebol. E isso prova o quê? Afinal, qualquer homem poderia ter feito aquilo por mim, não necessariamente o meu pai. Poderia dizer que sou tão teimoso como ele, mas, mais uma vez, isso prova o quê? Poderia apresentar a certidão de nascimento e de baptismo onde ele assume a minha paternidade. Mas a ciência não se faz de papelada e de burocracia. Faz de factos, hard facts.
No fim, o painel de cientistas irá votar por larga maioria (o único voto contra foi o do Joaquim) que eu não produzi prova factual suficiente de que aquele homem, de nome Manuel, é o meu pai. Portanto, à luz da ciência, eu fico sem pai. Cientificamente falando, eu não tenho pai.
O Joaquim ainda fez uma declaração de voto. Nessa declaração o Joaquim começou por concordar com os seus colegas cientistas de que eu não produzi evidência factual suficiente - nem de longe - para provar que aquele homem, de nome Manuel, era o meu pai. Mas ele conhecia-me há muitos anos, acreditava em mim, e se eu dizia que aquele homem era meu pai é porque era verdade. De nada valeu a declaração do Joaquim. O veredicto científico permaneceu - não existe evidência científica suficiente que prove que aquele homem era o meu pai.
Existem aqui duas conclusões principais a tirar. A primeira é aquela à qual o Papa já chamou a "ditadura da factibilidade", segundo a qual só é verdade aquilo que se possa traduzir em factos, e em factos que sejam comprováveis por todos ou, pelo menos, por uma maioria. Tudo o que não passe este critério científico, não existe, não tem realidade. E é por isso que a conclusão que ressalta da decisão do painel de cientistas mencionado acima, é a de que eu não tenho pai, pelo menos até ao dia em que possa produzir evidência factual suficiente de que aquele homem, de nome Manuel, ou qualquer outro homem, é, de facto, o meu pai.
Segunda, o único homem de entre o painel de cientistas que se mostrou disponível para receber a verdade - a saber, a de que aquele homem de nome Manuel é o meu pai - foi o Joaquim. E fê-lo pela simpatia que tem por mim - a tal simpatia a que se refere o Papa e sem a qual não existe qualquer compreensão. E o Joaquim chegou à verdade pela fé, acreditando na minha palavra. Não uma fé cega. Mas uma fé racional. Ele conhece-me há muitos anos e sabe que tudo aquilo que eu disse perante o painel de cientistas só podia ser verdade, e portanto, que aquele homem de nome Manuel tem de ser o meu verdadeiro pai.
No último post, eu admiti explicitamente que a questão que me mais me tem ocupado o espírito nos últimos tempos é a da minha própria paternidade. E quem me acompanhou decerto já terá concluído que eu acredito que o homem a quem eu sempre chamei pai - de nome Manuel - era o meu verdadeiro pai. Eu cheguei a esta verdade através de dois pilares, um montado sobre o outro.
O primeiro pilar foi o da razão. Eu posso recordar centenas de episódios da minha relação com aquele homem, e todos convergem para a mesma conclusão racional - a de que ele era o meu pai. Vou aqui mencionar apenas dois, a título ilustrativo. Primeiro, desde os 5 anos era ele quem me levava ao futebol, ver o Eusébio e o Benfica, a minha maior alegria de criança; e, quando me queria castigar, não me levava ao futebol, o meu pior castigo de criança. Ele tinha uma mota e, embora não fosse obrigatório, usava capacete. Quando o tempo permitia, levava-me na mota ao futebol. Ele sentava-me à frente, entre as pernas dele, e nessas alturas punha-me a mim o capacete, seguindo ele de cabeça descoberta. A conclusão que eu tirei mais tarde deste episódio é que ele prezava mais a minha vida do que a dele. Este homem devia ser o meu pai.
Segundo, à medida que os seus quatro filhos foram crescendo foi-se gerando o consenso entre nós, hoje reafirmado a título póstumo, de que o nosso pai era um grande teimoso. Era um daqueles homens que, quando julgava que tinha razão, se tornava obstinado, talvez obsessivo. Era um homem muito convicto, quer na verdade quer no erro, daqueles homens que, quando estão certos, acertam em cheio, mas que, quando estão errados, erram também em cheio. Ora, não é que eu descobri recentemente que os meus filhos - também são quatro e parece que de forma também consensual -acham que eu sempre fui um grande teimoso? Quando fiz esta descoberta, encolhi os ombros e disse: "Saio ao meu pai".
O segundo pilar foi o da fé - uma confiança inquestionável na palavra da minha mãe, que sempre se me referiu àquele homem como "o teu pai". Aquilo que eu gostaria de salientar é que esta fé não é uma fé cega, uma crença sem mais nada. Não. É uma fé racional, é uma fé que assenta na razão. A palavra da minha mãe é a confirmação da conclusão a que os milhares de episódios, como aqueles que referi acima, já me tinham racionalmente conduzido - a de que aquele homem era o meu pai. A fé surge aqui como o último passo da razão, o pináculo da razão e, portanto, é um acto profundamente racional.
Posto isto, eu queria agora imaginar-me perante um tribunal de cientistas, entre eles o Joaquim, que me pedem para demonstrar cientificamente que aquele homem, de nome Manuel, era na verdade o meu pai. Aquilo que se entende por cientificamente é a capacidade para produzir provas factuais suficientes que convençam o painel de cientistas, ou pelo menos a maioria deles, de que aquele homem era, de facto, o meu pai. Factibilidade é o que se exige.
Não vou ser capaz de fazer tal prova. Eu não tenho os factos, certamente que não o facto decisivo - uma relação sexual entre o meu pai e a minha mãe. Eu não estava lá para o testemunhar e aqueles que participaram nele já cá não estão. Eu posso referir-me a factos que efectivamente ocorreram mas não deixaram rasto, excepto na minha memória, como os episódios das idas ao futebol. E isso prova o quê? Afinal, qualquer homem poderia ter feito aquilo por mim, não necessariamente o meu pai. Poderia dizer que sou tão teimoso como ele, mas, mais uma vez, isso prova o quê? Poderia apresentar a certidão de nascimento e de baptismo onde ele assume a minha paternidade. Mas a ciência não se faz de papelada e de burocracia. Faz de factos, hard facts.
No fim, o painel de cientistas irá votar por larga maioria (o único voto contra foi o do Joaquim) que eu não produzi prova factual suficiente de que aquele homem, de nome Manuel, é o meu pai. Portanto, à luz da ciência, eu fico sem pai. Cientificamente falando, eu não tenho pai.
O Joaquim ainda fez uma declaração de voto. Nessa declaração o Joaquim começou por concordar com os seus colegas cientistas de que eu não produzi evidência factual suficiente - nem de longe - para provar que aquele homem, de nome Manuel, era o meu pai. Mas ele conhecia-me há muitos anos, acreditava em mim, e se eu dizia que aquele homem era meu pai é porque era verdade. De nada valeu a declaração do Joaquim. O veredicto científico permaneceu - não existe evidência científica suficiente que prove que aquele homem era o meu pai.
Existem aqui duas conclusões principais a tirar. A primeira é aquela à qual o Papa já chamou a "ditadura da factibilidade", segundo a qual só é verdade aquilo que se possa traduzir em factos, e em factos que sejam comprováveis por todos ou, pelo menos, por uma maioria. Tudo o que não passe este critério científico, não existe, não tem realidade. E é por isso que a conclusão que ressalta da decisão do painel de cientistas mencionado acima, é a de que eu não tenho pai, pelo menos até ao dia em que possa produzir evidência factual suficiente de que aquele homem, de nome Manuel, ou qualquer outro homem, é, de facto, o meu pai.
Segunda, o único homem de entre o painel de cientistas que se mostrou disponível para receber a verdade - a saber, a de que aquele homem de nome Manuel é o meu pai - foi o Joaquim. E fê-lo pela simpatia que tem por mim - a tal simpatia a que se refere o Papa e sem a qual não existe qualquer compreensão. E o Joaquim chegou à verdade pela fé, acreditando na minha palavra. Não uma fé cega. Mas uma fé racional. Ele conhece-me há muitos anos e sabe que tudo aquilo que eu disse perante o painel de cientistas só podia ser verdade, e portanto, que aquele homem de nome Manuel tem de ser o meu verdadeiro pai.
5 comentários:
vir aqui ler, é mais que um ato de fé, é uma forma de estimular racionalmente os meus neurônios,,, vir aqui obriga-me a pensar... obrigado.
No entanto, bastava uma prova cientifica para poder destruir toda esta construção... Provavelmente muitas pessoas adoptadas sentiram o mesmo que você. E basta um simples teste para destruir toda a magia do conhecimento empírico.
Ou seja, podia juntar um dossier de provas intermináveis. À ciência bastava uma folha a4 com os resultados do teste de paternidade.
p.s.- só agora li os outros dois posts, o que tornam os meus dois comentários anteriores sem importância.
p.s.2- A mim bastava-me mostrar uma foto do meu pai com 6 anos e comparar com outra minha da mesma idade.
1. Testes de ADN :PPP
2. Sinceramente isto é masturbação intelectual, deve ser de todos o tema menos interessante de que já falou!
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