18 março 2012

hierarquia estrita

Num post anterior, eu citei o Chesterton a dizer que a terceira e última fase da conversão ao catolicismo é a fase de fugir da Igreja. Parece que a Igreja, em parte, mete medo - algo que eu próprio estou pronto a admitir candidamente - e isto é assim porque a Igreja é a realidade. Os seres humanos estão feitos de tal maneira que têm medo da realidade, eles só querem conhecer certas realidades - as realidades agradáveis - e fogem a sete pés das outras que lhes são desagradáveis. A morte é uma delas, mas não é a única.

É com esta ideia no espírito que eu me proponho tratar o último ponto suscitado pelo post do Joaquim - o problema da autoridade. É verdade que a Igreja favorece a existência de autoridades regionais para tratar do problema da água, e, já agora, de todos os outros problemas humanos. Mas não apenas autoridades regionais. A Igreja favorece a existência de uma estrutura hierárquica de autoridades, ligadas entre si de uma certa maneira.

Voltando a insistir na mesma ideia de princípio, Igreja Católica significa Comunidade Universal, e este é o fim que a Igreja visa atingir - a de ser uma comunidade universal. Embora ainda não o seja plenamente, ela é, não obstante, a comunidade mais universal que a humanidade já conheceu. O seu modelo de governação há-de reflectir - a Igreja teve dois mil anos para o apurar e o testar - o modelo de governação que se ajusta ao de uma comunidade universal.

E que modelo é esse? É uma estrutura hierárquica de autoridades, envolvendo três níveis - três sendo o número sagrado da teologia católica -, o padre, o bispo e o papa, o primeiro com competências locais (paróquia), o segundo com competências regionais (diocese) e o terceiro com competências universais (o mundo). É um modelo ao mesmo tempo descentralizado e centralizado, o padre toma decisões na paróquia, o bispo na diocese, o papa na comunidade universal.

Trata-se também de um sistema de governação altamente pessoalizado. A cada nível de governação - local, regional, universal - existe um homem para dar a cara e assumir responsabilidades pelo que se passa na sua jurisdição. Finalmente, a maneira como estas três autoridades estão ligadas entre si. Trata-se de uma hierarquia estrita, que envolve votos de obediência incondicionais, do padre ao bispo e deste ao papa. Estes votos são voluntários. O que é que acontece se um padre desobedecer ao bispo ou este ao papa? É excomungado, nem merece outra coisa, pois se ele se comprometeu voluntária e solenemente a obedecer-lhe, está a violar a sua própria promessa. E porquê o voto de obediência estrita, implicando o sacrifício da liberdade pessoal? É feito em prol do bem comum, é feito para o bem da Igreja, para que Ela possa viver para sempre.

É possível governar uma comunidade universal desta maneira? Claro que sim, a Igreja, com a sua história de dois mil anos, está aí para o demonstrar. E não apenas a comunidade universal. Esta é a verdadeira maneira de governar qualquer comunidade, um país, uma empresa, uma cooperativa, uma família.

Como são designadas as autoridades na Igreja, nos seus três níveis de padre, bispo e papa? O padre resulta de uma decisão voluntária, qualquer homem pode ser padre, uma condição que se lhe exige é que dedique a sua vida ao serviço da comunidade. (É por isso que um país de tradição católica, a prazo, nunca reconhece como autoridades governantes que se servem da comunidade em lugar de a servirem a ela, como em Portugal está a ficar demonstrado mais uma vez).

A promoção de um padre a bispo, e de um bispo a Papa, é feita por uma combinação de assentimento popular e de confirmação pela autoridade. Um padre é promovido a bispo pelo reconhecimento entre os seus pares pelo seu trabalho e pelas suas qualidades de excepção. Mas não basta este reconhecimento pelos seus pares. É preciso também a aprovação do seu bispo porque é este que o propõe ao Papa.

Um bispo é promovido a papa também por um sistema que envolve, ao mesmo tempo, democracia e autoridade. O Papa é eleito por um colégio de bispos seniores (cardeais) e é confirmado no lugar pela autoridade de Deus e pelo tempo que Deus quiser.

O Papa dispõe de uma autoridade que é livre, suprema e absoluta, mas isto é assim só em parte, porque o papa está vinculado a respeitar a tradição. A tradição está contida no Catecismo que é uma espécie de constituição da Igreja Católica.

Com esta estrutura de governação, e com a relação estabelecida entre os diferentes níveis de autoridade, é possível governar qualquer comunidade humana, até um país ou o mundo. Agora compare esta estrutura hierárquica, com o seu voto de obediência estrita, com aquilo que se passa hoje em Portugal, em que o Presidente da Junta de Freguesia é do CDS, o Presidente da Câmara é do PCP e o primeiro-ministro é do PSD, cada um considerando que não deve obediência nenhuma ao outro. Acha que vai conseguir governar alguma coisa em condições, seja o abastecimento de água, seja o sistema de saúde ou de escolaridade?
Todos querem ser papas, mas a verdade é que, em cada momento, só um é que pode ser. Esta é a parte desagradável da realidade. Não podendo ser papas, todos querem ser bispos, mas a verdade é ainda a de que só um pequeno número é que pode ser. Não podendo ser papas nem bispos, todos ambicionam, ao menos, o nível inferior da autoridade, o de padre. Mas para isso é preciso que você dedique a sua vida a servir a comunidade (e não a servir-se dela). A realidade, às vezes é muito desagradável, mas a Igreja exibe-a, porque a Igreja é a realidade.

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