24 março 2012

catolicismo metodológico

A Carolina já nasceu, passavam 24 minutos da meia-noite. Imagine-se agora que se pegava nesta criança e se a levava a um painel de cientistas nos EUA a quem, sem lhes dar qualquer informação adicional, se  pedia: "Agora, determinem lá quem é o pai desta menina". Nunca mais lá chegavam.

E, no entanto, quem perguntar à mãe da Carolina chega logo à verdade. O pai é o meu filho B.

Um dos pontos que eu pretendi ilustrar em posts anteriores é o de que não existe um método único para chegar à verdade e, em particular, que o método da ciência  - que faz assentar a verdade em factos observáveis - nunca chega a certas verdades. Que há verdades que estão para além da ciência, que a ciência não é um método universal para chegar à verdade.

A ciência não é capaz sequer de chegar ao pai da Carolina, como é que ela seria capaz de chegar ao pai de todos nós, Deus?

Eu não pretendo desvalorizar a ciência porque eu próprio, a essa luz, sou um cientista. Aquilo que pretendo dizer é que a ciência é uma forma restritiva de pensar, uma ideologia, que pode chegar a certas verdades, mas não a outras. E, por isso,  é uma grande pretensão na qual tendem a cair muitos cientistas - e sobretudo aprendizes de cientistas -  se a ciência disser, em relação às verdades a que não consegue chegar, que elas não existem, ou que são falsas ou que pura e simplesmente não interessam. Como é que ela sabe, se ela não consegue lá chegar?

O painel de cientistas que analisou os meus argumentos acerca da minha paternidade - e que referi em posts anteriores -, não conlcuiu que eu não tenho pai. O seu veredicto é o de  que, com base na evidência factual que eu produzi, não se pode concluir que o tal homem de nome Manuel é meu pai.  Seria uma abuso, e uma óbvia falsidade, passar daqui à conclusão de que eu não tenho pai.

Claro que tenho pai, e é o tal homem de nome Manuel, porque foi isso que  a minha mãe sempre me disse. Para ser muito específico, a ciência não está preparada para chegar a verdades que assentam em factos únicos e íntimos, factos acerca dos quais só uma única pessoa tem a certeza - e essa pessoa é, no caso, a minha mãe. Mas precisamente por não estar preparada para chegar a essas verdades, a ciência não tem autoridade para as negar.

"A ciência não está preparada para chegar a verdades que assentam em factos únicos e íntimos, factos acerca dos quais só uma única pessoa tem a  certeza". Esta parece ser a definição de milagre. Na realidade é isso que eu sou - um milagre - e na minha família, hoje, ocorreu outro.  Que a ciência não possa provar os milagres deve-se às limitações da ciência. Que eles existem, existem. Na realidade é a própria ciência que atesta a existência de milagres, que são todas as verdades que ela não consegue provar. 

Quando há uns anos atrás me interessei pela obra do cardeal Ratzinger, uma das descobertas que fiz foi a de que ele lia - e até citava - o Paul Feyerabend, e isso estabeleceu logo, da minha parte, uma ponte de simpatia para com ele. Um Papa da Igreja a citar o Feyerabend?

O Paul Feyerabend nunca foi um filósofo da ciência popular, nada que se compare com o seu mestre Karl Popper. Mas ele foi um grande iconoclasta. Na altura, e depois de muitos anos de admiração, eu já não conseguia tolerar o Popper. Já não havia nada de novo nos escritos mais recentes do Popper, tinha-se tornado um verdadeiro chato pretensioso, com aquela mania de que o seu método das conjecturas e refutações era o único método, e o método universal, para se chegar à verdade da ciência. Quando, ainda na década de 80, descobri o Feyerabend foi uma lufada de ar fresco.

Mas o que é que levaria um Papa a considerar o Feyerabend? Talvez, em primeiro lugar, a célebre querela entre o Galileu e a Igreja. O Feyerabend, que nem sequer era católico, tinha estudado a questão e chegado à conclusão de que quem tinha razão nessa querela, e quem se comportou de forma responsável acerca dela, foi a Igreja, não o Galileu. Hoje, eu penso que poderá ter existido outra razão, mais vasta, mais difusa, mas também mais importante.

O Feyerabend tinha sofrido um ferimento na Guerra que lhe afectou a coluna, e que toda a vida lhe causou imensas dores e o impedia de andar normalmente. Nunca conseguiu tratar-se, ou sequer melhorar, usando os métodos da medicina ocidental. Passou uns tempos no Oriente e submeteu-se a terapias orientais, que não passavam nos critérios científicos ocidentais, mas que lhe trouxeram melhorias consideráveis. Quando regressou, tornou-se um crítico do método científico ocidental, largamente assente na ortodoxia do Popper, argumentando que  não era o método único, e muito menos o método universal, para se chegar à verdade (científica).

A sua célebre frase, que ele produziu em certo contexto, de que "anything goes" criou-lhe a reputação de ser um anarquista do método. Mas ele negou que sustentasse o "anything goes" como princípio (veja aqui, incluindo a citação que dele faz Joseph Ratzinger). Aquilo que o Feyerabend defendia era a pluralidade dos métodos, a ideia de que não existia um método único, mas muitos e variados métodos, para se chegar à verdade (científica), e que nenhum podia ser excluído.

Ora, isto não é anarquismo metodológico nenhum, porque o anarquismo exclui. Isto é catolicismo metodológico.  

5 comentários:

zazie disse...

Parabéns. As maiores felicidades para a Carolina.

Lura do Grilo disse...

Um assombro de menina... seguramente.

Uma benção nunca vem só e também o facto de ter o bonito nome de Carolina e não Tatiana, Jessica e outras raridades é desde logo outra benção.

Pedro Arroja disse...

zazie, Lura do Grilo,

Obrigado.
PA

rollf disse...

What's the point? Se chegasse lá com a menina, os cientistas nem saberiam quem ela era, nem qual a mãe, o pai, ou onde ela tinha nascido, nem em que data nasceu. So what? A ciência não é capaz de determinar a data e o local de nascimento da criança? Se os cientistas estivessem muito interessados nisso e lhes dessem meios, é óbvio que descobriam isso tudo. Bastava colocar a policia em campo e depois descobria-se a maternidade e a paternidade através do ADN. Era giro ver a policia e os cientistas com esses seus problemas existenciais metafisicos na descoberta da verdade.

Anónimo disse...

Excelente artigo.