06 fevereiro 2012

selvajaria económica

Como é que a cultura luterana alemã trataria o problema da Grécia (e também o de Portugal)?

A cultura luterana é uma cultura obcecada com a ideia de justiça, o que significa, não uma cultura obcecada com a verdade, mas uma cultura obcecada com o pecado, a culpa e a expiação. Os gregos portaram-se mal, consumiram durante anos acima das suas possibilidades, contrairam dívidas que não podem (jamais poderão) pagar. Como lidar com o problema?

O pecado está identificado: os gregos consumiram de mais e trabalharam de menos. A culpa é deles. (A culpa é, na realidade, também de quem lhes emprestou o dinheiro, e alguns dos credores são alemães). Vão ter de pagar - a expiação.
Como? Para a cultura luterana, que também é obcecada com o trabalho, que acha que o trabalho é a fonte de todo o valor, e que o homem se redime pelo trabalho aos olhos de Deus, o castigo para os gregos, para além de consumirem menos, só pode ser outro: trabalharem, trabalharem mais.
Esta é a essência do pacote de austeridade que foi aplicado à Grécia (sem resultado) e que agora está a ser aplicado a Portugal, e que também não vai dar resultado. Antes pelo contrário, a economia grega está cada vez pior e a portuguesa também.

Não faz mal. É preciso é que eles paguem pelo seus pecados. Se um pacote de austeridade não chega, então aplicam-se dois, o segundo ainda mais duro do que o primeiro. E os alemães propõem-se estar lá para se certificarem que os gregos vão trabalhar mais. Acabou-se aquilo a que eles chamam a Dolce Vita ou o Club Med.

Esta forma de selvajaria económica não só não permitirá nunca aos gregos pagarem as suas dívidas como os reduz à escravidão, sendo os alemães os senhores. Se ninguém os parar, eles vão destruir a Grécia pondo os gregos à pancadaria uns contra os outros, o que já está a acontecer.. Mas que os gregos têm que pagar pelo pecado que cometeram, isso é que não há dúvida que têm.
Daqui não sai comunidade nenhuma, saem os alemães senhores e os gregos escravos e a ~Comunidade Europeia dividida. Quem estiver de lado a observar, vai perguntar: Puxa, quem é que quer formar uma comunidade com os alemães? Está tramado quem fôr diferentes deles, quem não tiver a produtividade deles.

Os anglo-saxónicos resolviam isto de maneira diferente. Davam como certo que a Grécia nunca irá pagar as suas dívidas. Por isso, induzem a Grécia a declarar falência e os credores ficam a arder. A Grécia pode agora recomeçar de novo, mas, em certo sentido, também vai ficar isolada da comunidade - no sentido em que os mercados financeiros internacionais ficarão vedados aos gregos por muitos e bons anos.

Finalmente, a solução católica, como seria? Esta é a única tradição que não deixa cair ninguém, todos fazem parte da comunidade - a comunidade universal (literalmente, igreja católica).. Começa também por reconhecer que os gregos nunca irão pagar as suas dívidas, e até os recrimina. Mas depois põe-lhes a mão por baixo. Junta os outros membros da comunidade e põe-nos a eles a pagar as dívidas dos gregos. Distribui o mal pelas aldeias e as aldeias mais ricas são as que pagam mais. Em seguida, todos ajudam a Grécia a recompor-se - mas não, obviamente, no mesmo caminho que a levou a esta situação. A Comunidade mantém-se.
Os alemães receberam a dádiva de Deus sobretudo na forma da sua aplicação ao trabalho e na sua elevadíssima produtividade. Os gregos receberam-na de outra forma, sob a forma de um belo clima, ilhas paradísiacas, um património cultural valiosíssimo, um país, como Portugal, com uma enorme diversidade cultural e qualidade humana, pessoas que sabem verdadeiramente fazer comunidades, que é coisa que os alemães não sabem. Os alemães partilham a sua produtividade, os PIGS partilham tudo o resto. Cada um dá o que tem. É assim que se mantém uma comunidade.

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