Quando, há dias, tive oportunidade de reflectir sobre a história do catolicismo na América, a principal conclusão que tirei foi a de que esta cultura tem uma capacidade extraordinária para se infiltrar por todo o lado.
Quando os EUA nasceram, o catolicismo estava proibido em Inglaterra e em todas as suas colónias na América, com excepção do Québec, hoje parte do Canadá, onde o Parlamento inglês havia permitido uma excepção. Pois esta religião proibida, passado um século, era a maior nos EUA, situação que ainda hoje mantém e está de novo em expansão. Na realidade, eu estou convencido que a América acabará católica.
Não há nada de pior que se possa fazer ao catolicismo do que excluí-lo, porque essa é a única coisa que o catolicismo não tolera. Tolera tudo, menos isso - a exclusão -, precisamente porque o catolicismo é uma doutrina todo-inclusiva. Exclua um povo de cultura católica de alguma coisa ou lugar e você não sabe aquilo que está a desencadear. Eles transformam-se, transfiguram-se, toda a sua cultura lhes vem à flôr da pele, o melhor e o pior, tornam-se endiabrados, uma mistura de deuses e de diabos, até serem admitidos de novo no lugar donde foram excluídos. E não apenas isso, uma vez admitidos é a sua cultura que, em breve, passará a prevalecer no lugar.
Há três ou quatro anos eu fui convidado pela Câmara de Paços de Ferreira para a festa do Capão. Foi um grande jantar que deve ter reunido mais de duzentas pessoas. As mesas eram grandes e redondas e acomodavam dez a doze pessoas. Do outro lado da minha mesa, mesmo em frente a mim, ficou sentada Fátima Felgueiras, que havia pouco tempo regressara do Brasil e estava ainda sujeita a julgamento. A certa altura do jantar, um senhor já de uma certa idade, que eu não conhecia, e que estava sentado à minha esquerda, talvez por me ver por um momento com o olhar fixo nela, tocou-me suavemente no braço, e disse-me quase ao ouvido: “Esta é uma cultura extraordinária. É uma cultura que não deixa cair ninguém”. Eu acenei afirmativamente com a cabeça, e hoje olho para esse episódio como um passo significativo no caminho que me ensinou a compreender o catolicismo.
Na América, os colonos não queriam reproduzir os modos de viver da Europa - the old country e o ancien régime -, os quais estavam profundamente influenciados pela doutrina da Igreja. E o que fez o catolicismo lá? Adaptou-se, transfigurou-se, transformou-se, ao mesmo tempo que ele próprio foi transformando a América.
Há cerca de dois anos estive cinco dias em Nova Iorque. Eu conhecera Nova Iorque pela primeira no princípio dos anos oitenta, e desde então, estive lá muitas vezes. Mas agora, à distância de trinta anos, eu dei comigo a comparar a Nova Iorque que eu conhecera pela primeira vez com aquela onde agora me encontrava.
Há trinta anos Nova Iorque era uma cidade agressiva e violenta, em certas situações metia medo. As pessoas caminhavam nas ruas em multidão, como se fosse um exército, parando a cada sinal vermelho e recomeçando a marcha ao sinal verde. Às dez da noite já não havia ninguém nas ruas e amplas avenidas. Nos restaurantes, os empregados exigiam que lhes fosse dada uma gorgeta de 15% que estava explícita na factura. Os polícias andavam a cavalo nas principais ruas e avenidas. Era impossível estabelecer conversa com alguém num estabelecimento e muito menos na rua. Parecia que todos tinham pressa e ninguém podia perder tempo com ninguém.
Agora era diferente. Parecia que os nova-iorquinos estavam mais relaxados, o ritmo de vida era mais calmo, as pessoas tinham uma atitude menos agressiva, notei até que algumas caminhavam na rua um pouco cabisbaixas. Já se podia pedir uma informação na rua sem se ser mal recebido, meti conversa em restaurantes, hotéis e em lojas. Quando fui alugar o carro, fiquei mais de uma hora a conversar com a funcionária da Hertz, que era uma preta da América Central. Quando visitei o Ground Zero, o silêncio era quase religioso.
A que é que se tinha devido a transformação? Certamente que ao 11 de Setembro. A arrogância de que a América, e Nova Iorque em primeiro lugar, era o centro do mundo, e o centro inexpugnável, não se podia mais manter, a evidência estava ali mesmo no coração da cidade, no Ground Zero. Mas o factor mais importante estava mesmo ali à vista, assim eu quisesse olhar em volta - era a quantidade de latino-americanos, brasileiros, mexicanos, venezuelanos, cubanos, etc., que agora viviam em Nova Iorque, e que não existiam, nem de longe, quando eu pela primeira vez conheci a cidade. Estavam agora por todo o lado, nas lojas, nos restaurantes, nos hoteis, nas empresas de aluguer de automóveis.
Quando os EUA nasceram, o catolicismo estava proibido em Inglaterra e em todas as suas colónias na América, com excepção do Québec, hoje parte do Canadá, onde o Parlamento inglês havia permitido uma excepção. Pois esta religião proibida, passado um século, era a maior nos EUA, situação que ainda hoje mantém e está de novo em expansão. Na realidade, eu estou convencido que a América acabará católica.
Não há nada de pior que se possa fazer ao catolicismo do que excluí-lo, porque essa é a única coisa que o catolicismo não tolera. Tolera tudo, menos isso - a exclusão -, precisamente porque o catolicismo é uma doutrina todo-inclusiva. Exclua um povo de cultura católica de alguma coisa ou lugar e você não sabe aquilo que está a desencadear. Eles transformam-se, transfiguram-se, toda a sua cultura lhes vem à flôr da pele, o melhor e o pior, tornam-se endiabrados, uma mistura de deuses e de diabos, até serem admitidos de novo no lugar donde foram excluídos. E não apenas isso, uma vez admitidos é a sua cultura que, em breve, passará a prevalecer no lugar.
Há três ou quatro anos eu fui convidado pela Câmara de Paços de Ferreira para a festa do Capão. Foi um grande jantar que deve ter reunido mais de duzentas pessoas. As mesas eram grandes e redondas e acomodavam dez a doze pessoas. Do outro lado da minha mesa, mesmo em frente a mim, ficou sentada Fátima Felgueiras, que havia pouco tempo regressara do Brasil e estava ainda sujeita a julgamento. A certa altura do jantar, um senhor já de uma certa idade, que eu não conhecia, e que estava sentado à minha esquerda, talvez por me ver por um momento com o olhar fixo nela, tocou-me suavemente no braço, e disse-me quase ao ouvido: “Esta é uma cultura extraordinária. É uma cultura que não deixa cair ninguém”. Eu acenei afirmativamente com a cabeça, e hoje olho para esse episódio como um passo significativo no caminho que me ensinou a compreender o catolicismo.
Na América, os colonos não queriam reproduzir os modos de viver da Europa - the old country e o ancien régime -, os quais estavam profundamente influenciados pela doutrina da Igreja. E o que fez o catolicismo lá? Adaptou-se, transfigurou-se, transformou-se, ao mesmo tempo que ele próprio foi transformando a América.
Há cerca de dois anos estive cinco dias em Nova Iorque. Eu conhecera Nova Iorque pela primeira no princípio dos anos oitenta, e desde então, estive lá muitas vezes. Mas agora, à distância de trinta anos, eu dei comigo a comparar a Nova Iorque que eu conhecera pela primeira vez com aquela onde agora me encontrava.
Há trinta anos Nova Iorque era uma cidade agressiva e violenta, em certas situações metia medo. As pessoas caminhavam nas ruas em multidão, como se fosse um exército, parando a cada sinal vermelho e recomeçando a marcha ao sinal verde. Às dez da noite já não havia ninguém nas ruas e amplas avenidas. Nos restaurantes, os empregados exigiam que lhes fosse dada uma gorgeta de 15% que estava explícita na factura. Os polícias andavam a cavalo nas principais ruas e avenidas. Era impossível estabelecer conversa com alguém num estabelecimento e muito menos na rua. Parecia que todos tinham pressa e ninguém podia perder tempo com ninguém.
Agora era diferente. Parecia que os nova-iorquinos estavam mais relaxados, o ritmo de vida era mais calmo, as pessoas tinham uma atitude menos agressiva, notei até que algumas caminhavam na rua um pouco cabisbaixas. Já se podia pedir uma informação na rua sem se ser mal recebido, meti conversa em restaurantes, hotéis e em lojas. Quando fui alugar o carro, fiquei mais de uma hora a conversar com a funcionária da Hertz, que era uma preta da América Central. Quando visitei o Ground Zero, o silêncio era quase religioso.
A que é que se tinha devido a transformação? Certamente que ao 11 de Setembro. A arrogância de que a América, e Nova Iorque em primeiro lugar, era o centro do mundo, e o centro inexpugnável, não se podia mais manter, a evidência estava ali mesmo no coração da cidade, no Ground Zero. Mas o factor mais importante estava mesmo ali à vista, assim eu quisesse olhar em volta - era a quantidade de latino-americanos, brasileiros, mexicanos, venezuelanos, cubanos, etc., que agora viviam em Nova Iorque, e que não existiam, nem de longe, quando eu pela primeira vez conheci a cidade. Estavam agora por todo o lado, nas lojas, nos restaurantes, nos hoteis, nas empresas de aluguer de automóveis.
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