07 fevereiro 2012

protólico

Eu regressei a casa na sexta-feira à noite, depois de um jantar em casa de amigos de família, e nem conseguia adormecer. Tinha acabado de desvendar um dos mais difíceis mistérios que trazia no espírito desde há meses: Existe Protestantismo na Igreja Católica?

A cultura católica é uma cultura de tudo e um país católico é um país que tem tudo. Mas, sendo assim, a Igreja Católica também deve ter tudo. Em particular, existiria Protestantismo na Igreja Católica? Dificilmente, porque o Protestantismo, em algumas das suas variantes, é um inimigo radical da Igreja Católica. Por outro lado, se a Igreja Católica não tem Protestantismo, ela não é Católica ou universal, porque o Protestantismo existe no mundo.

Foi assim, literalmente aos tombos, entre o Não e o Sim, que eu passei os últimos meses, vários sinais apontando-me para o Não, outros apontando-me para o Sim. O Joaquim já tinha salientado neste blogue vários traços protestantes do Papa Bento XVI e eu também já fizera o mesmo, o mais saliente dos quais era o de que ele nasceu e foi criado na pátria do Protestantismo - a Alemanha - e havia por isso de estar influenciado pela cultura onde nasceu.

Mas havia outros. A sua fisionomia austera e tipicamente alemã. Mais importante para mim, ele representava a figura do intelectual, que é uma figura de criação protestante. O seu ênfase na razão, a tal ponto que foi lendo as suas obras que eu me convenci que se poderia chegar a Deus pela razão, e não meramente pela fé desligada da razão. O seu empenho na figura de Cristo (o seu último livro, de que apareceu recentemente o segundo volume, tem o título “Jesus de Nazaré”), a fazer lembrar o princípio protestante de “Solo Christus”. Aquela forma protestante de lidar com a questão dos abusos sexuais dos padres, adoptando uma política de transparência e anunciando os procedimentos a seguir, e que o Joaquim fez notar num post que publicou aqui no PC.

Tudo isto, e muitos outros pequenos episódios, já me tinham levado a questionar: “Será o Papa protestante?”

No Verão passado, eu falava com a minha mulher sobre uma qualquer questão, estabelecendo o contraste entre a cultura católica e a cultura protestante. Ela ouviu-me e, no final, disse-me: “Tu andas para aí a falar de catolicismo, mas tu és muito mais protestante do que católico”. Fiquei desconcertado.

Nos dias seguintes fui tentando olhar para mim mesmo. Esta obsessão em encontrar uma explicação racional para tudo; este gosto pelas ideias e pelas ideologias; esta tendência para me isolar, para me fechar até, acreditando que é sozinho - e não em companhia ou comunidade, como os católicos - que acabarei por chegar à verdade, qual figura de Kant; a propensão para publicitar as minhas ideias e uma certa inclinação para o proselitismo; a fisionomia que me torna particularmente antipático aos olhos dos portugueses (católicos), que me faz mais parecido com Bento XVI do que com João Paulo II, a figura paradigmática (tal como João XXIII) do Papa e do homem católico.

Ainda há cerca de dois anos eu jantara num restaurante em Manaus, chamado “O Canto da Peixada”, o mesmo restaurante que servira o jantar em 1981 ao Papa João Paulo II quando ele passou um dia naquela cidade brasileira, embora o jantar tivesse tido lugar num Convento. Estive a falar com o dono que me referiu ao pormenor a ementa que serviu ao Papa, e o restaurante abundava em fotografias de João Paulo II. O meu interesse, porém, era outro, não tanto o que ele comeu, mas o que ele bebeu. Perguntei ao dono, que respondeu triunfante: ”Ele bébeu vinho pórtuguês, Mateus Rosé, e água”. Eu tenho o sentimento que o Papa Bento XVI só teria bebido água.

Tudo isto me levou a concluir que eu era bem capaz de ser mais protestante do que católico. E tinha eu andado a falar e a escrever sobre a figura do intelectual catante, o intelectual nascido na cultura católica mas que pretende imitar a cultura protestante. Afinal, eu era de uma espécie diferente, mas ainda assim de um espécie - era o intelectual protólico, um intelectual que ficou marcado por uma formação protestante, e que agora pretendia imitar a cultura católica.

Esta conclusão só serviu para aumentar o mistério. Agora que eu tinha aderido com entusiasmo ao catolicismo, acabava de chegar à conclusão que, afinal, era mais protestante do que católico. Estava numa encruzilhada. A menos que existisse protestantismo no catolicismo, eu nunca mais conseguiria ser parte da minha própria cultura e sentir-me na minha própria pele. Daí a pergunta recorrente no meu espírito:

Existe Protestantismo na Igreja Católica?

A primeira luz acendeu-se ainda antes do jantar, quando chegou o JG. O JG é um ex-padre jesuíta que eu conheci em 1974. Eu estava desejoso de conversar com ele sobre outro assunto que tinha pouco a ver com a questão de saber se existia ou não Protestantismo na Igreja Católica. Estava interessado em falar com ele sobre a história dos Jesuítas.

Antes de nos sentarmos à mesa, tive ainda tempo para lhe perguntar acerca das isenções de que inicialmente gozavam os jesuítas em relação ao clero regular, e que acabariam por ser um motivo de ressentimento vindo de dentro da própria Igreja em relação a eles. Ele mencionou uma série de isenções que eu já conhecia - isenção das funções regulares do clero, como as de fazer confissões e dar missas, concentração nas questões intelectuais e da educação, etc. - e juntou uma última que eu ignorava - a de que os jesuítas estavam também isentos de usar as vestes sacerdotais e podiam-se vestir como qualquer homem comum. Quando ele terminou, juntei as peças todas e a figura que me ocorreu ao espírito foi a de um pastor protestante.

O mais importante, porém, estava para vir. Foi durante o jantar.

Mas para contar o que aconteceu a seguir, eu tenho de introduzir uma figura importante. É uma figura de mulher. Chama-se MA, e o M é de Maria. E também o ambiente de uma verdadeira comunidade católica.

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