23 fevereiro 2012

O Papa Protestante


Eu gostaria aqui de retomar o meu post anterior para o relacionar com esta notícia.

Aquilo que é nítido no embate entre S. Tomás e Kant é o contraste entre o realismo católico e o idealismo protestante. E qual é o sentimento que, no extremo, o protestante inspira ao católico e, reciprocamente, o católico ao protestante?

O protestante inspira ao católico um sentimento de impaciência, primeiro, e de irritação depois, reflectido nos expletivos que S. Tomás a certa altura profere, e este sentimento é motivado pela teimosia do protestante em ignorar a realidade. Pelo contrário, o sentimento que o católico inspira no protestante é, em primeiro lugar, o de perturbação e, depois, de aversão, de distanciamento, porque o católico não deixa o protestante concentrar-se no seu mundo ideal.

Quem tem a verdade neste debate, se é que se pode chamar debate a uma conversa em que um fala para o outro e este fala para o ar? Têm ambos, embora o católico mais do que o protestante. Não é este, porém, o ponto em que me pretendo deter aqui. O ponto que pretendo salientar é que a atitude de S. Tomás, quando levada ao extremo, torna inviável qualquer inovação neste mundo - só se chega daquela sala à arrecadação dando sete curvas, ponto final. Pelo contrário, a atitude do Kant, quando levada ao extremo, torna impossível a vida neste mundo.
A porção da verdade que existe no Kant está em que, depois da observação de S. Tomás acerca das sete curvas que é preciso fazer entre a sala e a arrecadação, o Kant, naquela sua atitude especulativa de olhar para o ar, talvez estivesse a pensar que a maneira de reduzir o número de curvas seria construir um túnel que ligasse directamente a sala à arrecadação.

É possível ser católico e também protestante, o que não possível é o contrário, ser protestante primeiro e católico depois, porque ser protestante implica a secessão da comunidade católica. E, tendo dito isto, eu penso que se tivesse de arranjar um cognome para o Papa Bento XVI, chamar-lhe-ia o Papa Protestante. Este é o Papa que mais tem contribuido para fazer o catolicismo, que é uma cultura universal, assimilar os elementos bons que resultaram do protestantismo.
Ele é o Papa do catolicismo moderno, por oposição ao catolicismo tradicional, prevalecente em países como a Itália, Portugal e a Espanha que não foram submetidos à Reforma do século XVI. É natural, pois que este Papa enfrente o pior dos dois mundos, os católicos tradicionais ressentindo nele o seu protestantismo ou progressismo (v.g., na ideia de transparência das coisas do Vaticano, no seu rigor doutrinário, no seu apreço pela disciplina, na sua tendência para regulamentar e legislar, no seu alto conceito de justiça) ao passo que os católicos protestantes ou progressistas vêm nele o tradicionalista adepto da autoridade suprema e absoluta, dando mais importância à Tradição do que às Escrituras, concedendo um lugar maior ao coração do que à razão (para o Papa Bento XVI, Santo Agostinho é o grande filósofo da Igreja, à frente de S. Tomás).

Eu não acredito que exista uma conspiração para matar o Papa. Mas acredito que o Papa pode vir a renunciar ao seu mandato, alegando razões de saúde e de idade. Seria mais uma atitude protestante, sair de um lugar, cedendo-o a outro, depois de sentir que já cumpriu a sua missão nesse lugar. Um católico tradicional, pelo contrário, sentando-se num lugar, fica lá até à morte, como, por exemplo, Alberto João Jardim na Madeira ou a maior parte dos políticos portugueses, se os deixassem.

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