26 fevereiro 2012

homo economicus


Uma das características mais atraentes do pensamento católico, que enfatiza as formas concretas de pensamento, por oposição ao pensamento protestante, que põe o acento tónico nas formas abstractas de pensamento, diz respeito aos exemplos. O protestantismo apresenta sempre como exemplos abstracções, tornando inverificável o seu pensamento. Pelo contrário, o catoliciosmo apresenta exemplos em pessoas de carne e osso, ou instituições feitas com pessoas de carne e osso, para documentar as suas doutrinas.

Quando já quase no final da sua vida, um jornalista perguntou ao Hayek qual o país do mundo que mais aproximava a filosofia social que ele tinha defendido ao longo da sua vida, e ele respondeu que era a Suíça, eu fiquei muito decepcionado. E fiquei decepcionado por duas razões.

Primeira, porque tivesse ele dito aquilo há mais tempo, e ter-me-ia evitado muitas horas de estudo, em lugar de estudar a obra do Hayek eu teria passado o tempo a estudar a Suíça. Segunda, porque ainda assim o exemplo continha um grau de abstracção - a Suíça - que o tornava inoperacional. Ser liberal, no sentido do Hayek, era ser como a Suíça. E eu, se quisesse ser liberal no sentido do Hayek, como é que iria fazer, imitar a Suíça? Ainda se ele tivesse referido o nome de um suíço que considerasse representativo, eu sempre poderia tentar conhecê-lo e imitá-lo. Mas não. Referiu apenas a Suíça.

Pela mesma altura, o Murray Rothbard, um dos símbolos do anarquismo moderno foi passar uns tempos à Guatemala e, quando regressou aos EUA, para desapontamento dos seus seguidores, veio dizer que o país que melhor aproximava as suas doutrinas era a Guatemala. Outra dupla decepção. Rothbard podia primeiro ter viajado pelo mundo primeiro, e só escrever depois, poupando tempo e dinheiro aos seus seguidores. Só teria então uma linha a escrever: “Na minha opinião, o melhor país do mundo é a Guatemala”, e estava tudo dito, embora com uma dificuldade remanescente. Quem quisesse imitar o anarquismo do Rothbard, como iria fazer, imitar a Guatemala? Ainda se ele tivesse indicado o nome de um guatemalteco que considerasse representativo...

Esta dificuldade que o pensamento protestante tem em indicar exemplos concretos que suportem as suas teorias, ficando-se por abstracções, torna inverificável qualquer teoria. O liberalismo do Hayek não é suportado pela existência da Suíça, porque a Suíça já existia antes do Hayek, nem o anarquismo do Rothbard é confirmado pela Guatemala, porque a Guatemala já existia muito antes do Rothbard. As teorias protestantes, como o liberalismo ou o socialismo, acabam sempre na decepção. E acabam sempre na decepção porque são falsas (embora contendo alguns elementos de verdade).

Muito diferente é o catolicismo que está sempre preparado para apresentar exemplos que ilustrem a sua doutrina, não em termos de abstracções, mas em homens de carne e osso, ou em instituições feitas de homens de carne e osso. E não apenas exemplos das suas doutrinas, mas de todas as doutrinas que existem no mundo porque ele entretanto já as internalizou - caso contrário, deixaria de ser católico ou universal.

A Ciência Económica nasceu na Escócia, sob a influência do calvinismo. John Knox, o pai do presbiterianismo escocês - a corrente do calvinismo que prevaleceu na Escócia -, para não surpreender, era um padre católico. A Economia é uma perspectiva específica - e, portanto, necessariamente estreita - de olhar os comportamentos humanos. Olha-os do ponto de vista dos custos e dos benefícios. E, para ilustrar este perspectiva, a Economia criou a figura do homo economicus. O homo economicus é uma abstracção, a representação ideal do homem que pensa e age somente em termos dos custos e benefícios esperados da sua acção. Nunca, porém, em quarenta anos de estudo da Economia, eu alguma vez vi o homo economicus.

Sem comentários: