17 fevereiro 2012

A deriva estratégica do SNS

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) padece de uma deriva estratégica que, se não for corrigida, vai levar à sua extinção. Trata-se de um problema que ocorre com frequência nas grandes empresas (ou grandes organizações) e que é bem conhecido.

As empresas nascem da visão criadora dos fundadores. Ford pretendia "democratizar o automóvel" e Bill Gates sonhava com "um computador em cada secretária". Estas visões eram objetivos longínquos, quase utópicos. Serviram, contudo, para orientar a gestão. Permitiram procurar respostas para perguntas fundamentais: - o que é que fazemos? - para quem? - para quê?

Com o "amadurecimento", a visão fundadora das empresas tende a passar para segundo plano. Os gestores concentram-se nas tarefas do dia-a-dia, na melhoria dos produtos e serviços, na concorrência, e esquecem os objetivos de longo prazo. A coerência de ação vai desaparecendo, a alocação de recursos torna-se mais arbitrária e, eventualmente, a rentabilidade fica comprometida. Os líderes veem-se então obrigados a uma reflexão estratégica - ou retomam a visão inicial ou refundam a empresa. A bandeira, o sinal de alerta de que algo vai mal é, obviamente, a erosão das margens de lucro ou até o registo de prejuízos.

O SNS também nasceu de uma visão criadora. Nasceu para garantir o "direito à proteção da saúde", como está consagrado no Artigo 64º da Constituição da República Portuguesa. Direito que o legislador entendeu garantir "através de um Serviço Nacional de Saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito".

As políticas de saúde dos últimos anos demonstram, porém, que os responsáveis pelo SNS descuraram a visão fundadora - garantir a proteção à saúde - e se concentraram mais na organização e no fornecimento de serviços à população. Dar tudo a todos, por assim dizer, para cumprir o desígnio "universal, geral e gratuito" do SNS, mas já sem o foco na proteção à saúde. Eis, em síntese, o cerne da deriva estratégica do SNS.

Cont.

Artigo meu no semanário Vida Económica de hoje.

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