06 fevereiro 2012

dádiva

Num post anterior concluí que, quer a teoria do valor trabalho quer a teoria subjectiva do valor, são falsas, porque nem os salários correspondentes ao trabalho incorporado num certo bem ou serviço, nem o seu preço de mercado reflectem o seu verdadeiro valor. Este valor é, em geral, muito superior. A razão é que existem certos recursos (factores de produção, na linguagem dos economistas) que não são o fruto do labor humano - labor humano que é o focus da teoria do valor-trabalho - nem das opiniões que se tenham acerca da sua utilidade para satisfazer certas necessidades - opiniões que são o focus da teoria subjectiva do valor.

No exemplo que apresentei, o preço da pescada (12 euros) não reflecte nem de longe o verdadeiro valor da pescada, nem este valor é reflectido na soma dos salários de todos os intervenientes humanos no processo. O mar é o principal recurso na produção da pescada, e, no entanto, ele não está reflectido nem no seu preço nem na soma dos salários de todos aqueles que permitem que a pescada chegue ao consumidor final. É um recurso gratuito. E o mesmo se diga dos ventos que levam os pescadores ao mar, do luar que os alumia, das estrelas que os conduzem, e até do ar que eles respiram.

Se estes recursos estivessem reflectidos no preço, a pescada custaria uma fortuna. Ora, a verdade é que eu só paguei 12 euros por ela. A diferença é uma dádiva. Pouco importa, para o argumento que se segue, que esta dádiva seja vista como uma dádiva de Deus para uma pessoa de espírito religioso, ou como uma dádiva da Natureza por uma pessoa de espírito laico, ou mesmo ateu. Em ambos os casos é uma dádiva, e é isso que interessa aqui considerar.

A diferença entre o verdadeiro valor da pescada e o preço de 12 euros que eu paguei por ela é uma dádiva de Deus (ou da Natureza, como diria um laicista). Numa perspectiva ainda mais ampla, o preço dos 12 euros reflecte as diferentes participações humanas no processo de produção da pescada; mas sendo os homens uma criação de Deus (Natureza) com toda a sua inteligência e vários talentos, até os 12 euros correspondem a uma dádiva de Deus (Natureza).

Daqui a teoria católica do valor. Ao contrário da teoria do valor trabalho que sustenta que a fonte do valor é o trabalho humano; ao contrário da teoria subjectiva do valor que afirma que a fonte do valor é o mercado; ao contrário, de tudo isto, a teoria católica do valor afirma que a fonte do valor é Deus. Ainda recentemente, o Papa Bento XVI exprimiu esta ideia sucintamente: “... o ser humano é sujeito da própria existência e, ao mesmo tempo, é de Deus, porque Deus está no princípio e no fim de tudo aquilo que tem valor...” (Encíclica Caridade na Verdade, Prior Velho: Edições Paulinas, 2009, p. 123).

Chegado a este ponto, a questão a que pretendo agora responder é a seguinte: qual é a forma fundamental ou preferencial de relacionamento económico entre as pessoas, segundo cada uma destas teorias (ou em cada uma das culturas em que elas têm assento, respectivamente, a cultura do protestantismo germânico, a cultura do protestantismo britânico e a cultura católica)?

Para a teoria do valor trabalho a principal forma de relacionamento económico entre as pessoas é o emprego porque é aí que se exprime a relação de trabalho; para a teoria subjectiva do valor é a troca, porque é aí que se exprime a relação de mercado; para a teoria católica do valor é a dádiva, porque é aí que se exprime a relação de Deus com os homens.

Se eu paguei apenas 12 euros por uma pescada que tem um valor infinitamente maior, e se a diferença constitui uma dádiva de Deus, como devo eu proceder perante os outros que não têm 12 euros para comprar uma pescada, ou nem sequer 20 centimos para comprar um pão? A lógica é aqui irreprimível - dando-lhes, partilhando com eles a minha pescada e o meu pão, fazendo aos outros aquilo que me fizeram a mim. E aquilo que me fizeram a mim foi uma dádiva.

A dádiva ou a partilha - não o emprego nem a troca - é a relação económica primordial da economia católica.

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