20 janeiro 2012

sem asas

Baptizar uma criança na cultura católica é dar-lhe entrada na cultura mais universal que existe, a mais ampla de todas, pôr-lhe à disposição todas as opções que existem no mundo. E se alguma ainda não existe, e ele a descobrir, ainda vai ser aplaudido.

Pouco interessa que um dia, por sua livre iniciativa, ele se declare ateu, judeu, mormon ou monge dos Himalaias. Quem é que se vai importar com isso num país de cultura católica, como Portugal, ou a Itália, ou a Espanha? Ninguém. Até lhe vão achar graça: "Olha, a Cristina Keller agora diz que é judia...".

Mas se a cultura católica é a mais ampla que há, porque é a única verdadeiramente universal, então qualquer outra cultura - e, em particular, a cultura protestante, que é a que mais me interessa aqui considerar - é uma cultura restritiva. Ela não fornece, ela não pode fornecer às pessoas que nasceram sob ela, e que eventualmente foram baptizadas nela, um leque de opções tão vasto como aquele que é oferecido pela cultura católica. Algumas coisas hão-de estar proibidas, o seu espaço de liberdade é menor. Daí o proibicionismo protestante.

E, na realidade aquilo que o protestantismo fez, ao recusar a ideia do personalismo católico, não foi abolir todas as diferenças. Foi abolir as diferenças mais gritantes entre as pessoas, foi abolir os extremos. Em termos de uma distribuição normal, o protestantismo cortou-lhe as abas e diminui-lhe a curtose, isto é, tornou a distribuição mais estreita e, por isso, mais igual. Existem diferenças entre as pessoas e as coisas num país protestante, mas não existem diferenças extremas, como num país católico.

Compare a Suécia com Portugal, países aproximadamente iguais em termos de população, um profundamente luterano, outro profundamente católico. Não há extremos na Suécia, não existe pobreza extrema nem riqueza extrema, os edifícios obedecem todos à mesma linha, existem auto-estradas, mas não a servir qualquer terreola. Pelo contrário, em Portugal, vê-se pobreza extrema e riqueza extrema, e todos os graus intermédios; há edifícios para todos os gostos e feitios, às vezes na mesma rua; existem auto-estradas caríssimas a servir qualquer terreola.

O protestantismo é o catolicismo sem abas, ou talvez melhor, sem asas. Desconfio que é uma cultura que nunca voará.

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