"Parabéns cordiais ao clero português pela elevação ao cardinalato de um dos seus membros, o Sr. D. Américo, bispo do Porto...
O que é de facto, ligeiramente, civilmente, experimentalmente, um cardeal?
Conhecem a célebre definição de caranguejo, segundo o dicionário de Morais - Peixinho vermelho que anda às arrecuas?
O cardeal é peixe por mutismo, porque o cardeal não fala ou fala em latim - o que é um modo erudito de estar calado.
O cardeal anda às arrecuas, seguindo à risca a letra dos dogmas em direcção oposta às demonstrações da ciência...
O cardeal, finalmente, é vermelho, tão vermelho como o caranguejo, posto que em condições menos árduas, porque o cardeal é vermelho em crú, ao passo que o caranguejo só avermelha cozido."
Eis aqui a forma analógica de pensar a que me referi no post anterior, e que é própria da cultura católica, expressa da forma mais bronca possível por um dos mais broncos intelectuais portugueses de todos os tempos - Ramalho Ortigão (in As Farpas). Talvez muito mais do que o cardeal que procura ridicularizar, Ramalho faz prova de ser um católico dos quatro costados.
Poder-se-à, porém dizer que todos os intelectuais portugueses são broncos, ou que todos os cardeais são como o caranguejo? Não, há de tudo.
O pensamento analógico, porque procura encontrar semelhanças naquilo que é realmente diferente, incorre sempre num enorme risco de raciocínio, que é o da generalização indevida. Pelo contrário, o pensamento protestante, que procura descortinar a diferença naquilo que é igual, tem precisamente o seu forte na capacidade de generalização. Uma vez dividido o mundo em duas classes A e B, qualquer elemento de A é igual a qualquer outro, e o mesmo se diga dos elementos de B.
A generalização é o caminho próprio do intelecto protestante. Pelo contrário, a individualização é o caminho próprio do intelecto católico. A generalização conduz à abstracção; a individualização à concretização.
Não é fácil pôr um homem de cultura católica a debater um assunto sério com um homem de cultura protestante. As suas respectivas mentes funcionam de modo totalmente diferente. Mas enquanto a questão se mantiver no domínio da palavra, e se forem ambos pessoas de boa-fé, acabará por prevalecer o católico, porque é dele a cultura racional, não a do protestante. Pelo contrário, se o debate se converte em violência, aí ganha o protestante que pode ser de uma brutalidade incrível, arrasa tudo.
Seria bom que as discussões no seio da UE acerca do Euro se mantenham no domínio da palavra. E aí o argumento racional (católico) é que, sendo países com cultura diferente (primeiro passo: a aceitação da diferença), os PIGS precisam de uma moeda diferente, e assim defender a saída dos PIGS da Zona Euro (segundo passo: a reconciliação).
Se deixamos isto nas mãos dos protestantes, o raciocínio que eles fazem não é o mesmo. Vão dizer que os PIGS são iguais aos outros (primeiro passo: a aceitação da igualdade), e depois vão estabelecer a diferença: aquilo que eles são é uma trupe de irresponsáveis e mandriões que não merecem qualquer consideração e precisam de ser castigados (segundo passo: a decoberta da diferença).
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