Numa altura em que a economia, as instituições e até a soberania portuguesas estão a ruir, e em que Portugal vai ter de renascer ou ressuscitar, e começar tudo de novo, que recursos nos oferece a nossa cultura par nos ajudar?
Um deles, de importância capital para esta tarefa, é a imaginação.
Os povos de cultura católica pensam por analogia, ao passo que os povos de cultura protestante pensam por diálise (uma palavra com origem no grego e que significa separação ou exclusão). O pensamento analógico procura as semelhanças nas diferenças, a unidade na diversidade, e por isso é um pensamento conciliador. Pelo contrário, o pensamento dialéctico procura as diferenças na igualdade, a diversidade na unidade, e por isso é um pensamento que separa, que divide e que exclui.
A origem desta diferença cultural é teológica. O catolicismo começa por aceitar as diferenças entre o homem e Deus, na pessoa de Cristo. Mas, tendo aceite as diferenças, depois também vê muitas semelhanças entre o homem e Deus (ainda na pessoa de Cristo). Daí a conclusão que o homem pode ser, ou pelo menos aproximar-se, de Deus. Na realidade, o catolicismo até possui uma classe de homens cuja fim na vida é serem iguais a Deus, na pessoa de Cristo - os padres.
O protestantismo, pelo contrário, começa por aceitar a igualdade entre o homem e Deus, ainda na pessoa de Cristo. Mas, tendo aceite esta igualdade, concentra-se depois exclusivamente na figura de Deus (Cristo) - o princípio protestante "Solo Christus" - e conclui que existe uma diferença radical entre Deus (Cristo) e os homens.
As consequências que daqui resultam são muito importantes. Talvez a principal é a de que o protestantismo conduz directamente ao conformismo ("Tu nunca serás como Deus..."), a ideia de que cada um terá de se contentar com a sua sorte, e que não há nada que ele possa fazer para a modificar. Pelo contrário, o catolicismo abre as portas à imaginação ("Tu podes ser como Deus..."), a ideia de que nada está vedado ao homem, a ideia de que ele pode conseguir tudo aquilo que a sua imaginação lhe ditar.
A tal ponto que, num livro que entretanto se tornou um clássico, David Tracey (The Analogical Imagination: Christian Theology and the Culture of Pluralism, 1981) fala mesmo de uma "Imaginação Católica", e caracteriza-a como sendo distintamente analógica - e o "análogo primário" é, evidentemente, o próprio Cristo (Deus).
Os portugueses têm na sua cultura um recurso - a imaginação - que lhes vai ser absolutamente indispensável para sairem da situação em que se encontram. E este é um recurso que os protestantes não têm, certamente que não no mesmo grau.
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