16 janeiro 2012

em cheio



O baptizado do T. já tem dia e lugar marcado. Será a 21 de Julho, dia do seu primeiro aniversário, no Estreito de Câmara de Lobos, a terra natal da mãe.

Lá estarei. E com imensa alegria. O baptizado católico é um acontecimento cultural cheio de significado. Por norma, é feito antes que a criança tenha qualquer espécie de entendimento. São os pais, secundados pela família alargada e pela comunidade de amigos, a escolher por ela a sua cultura ou religião. A mensagem é clara: "A tua cultura ou religião é a católica. Para já, tens uma. Se um dia quiseres escolher outra, ou nenhuma, é lá contigo".

A escolha por parte dos pais é meramente aparente ou simbólica porque, no fundo, também não foram eles a escolher a sua cultura ou religião católica. No fim, quem acaba a decidir pela criança é uma longa linha dos seus antepassados que começa nos pais, e regredindo, passa pelos avós, bisavós, trisavós, etc. É a tradição. É como se os mortos tivessem voz: "Olha lá, oh T., tu és um dos nossos e vais ser como nós".

Esta mensagem sugere, à primeira vista, que os antepassados estão a condicionar a vida do T., para além do que é razoável, roubando-lhe todas as possibilidades de escolha. Mas tratando-se de um baptismo católico, que é uma cultura de tudo, aquilo que o "... e vais ser como nós" significa é que o T. vai poder ser na vida tudo aquilo que ele quiser ser, que nós estamos cá para o apoiar.

A ideia de que uma criança não deve ser baptizada, porque isso lhe retira a liberdade de escolha, e que se deve aguardar que ela atinja a maioridade para que seja ela própria a decidir a religião ou cultura que quer adoptar, é uma ideia importada do protestantismo e que, naturalmente (por ser estrangeira) tem alguma corrência entre nós. A verdade, porém, é que um jovem de dezoito anos, mesmo com trinta, não sabe escolher uma religião ou cultura. A esmagadora maioria das pessoas nem aos setenta é competente para fazer uma tal escolha. Para escolher uma religião ou cultura, uma pessoa precisa de comparar e, para comparar, ela precisa, em primeiro lugar, de ter uma. Alguém tem de escolher por ela.

Eu gosto de imaginar o que seria Portugal dentro de uma geração se se desse às crianças portuguesas a liberdade para serem elas a escolher a sua cultura ou religião quando atingissem a maioridade. Haveria portugueses de todas as religiões ou culturas possíveis e imaginárias, e dentro de cada religião ou cultura, de todas as tonalidades ou variantes possíveis. Quanto mais não fosse, por isso, o país continuaria a ser católico (universal), mas seria impossível viver nele.

É claro que daqui por alguns anos eu estou a imaginar o T., adolescente ou jovem adulto, a criticar os padres e a Igreja, a dizer mal dos portugueses e de tudo o que é português, e a exaltar os estrangeiros e tudo aquilo que é estrangeiro. Nesse dia, eu não lhe vou responder porque ele não estará ainda em condições de compreender. Vou sorrir para dentro e pensar: "Abençoado aquele dia na Madeira em que te baptizámos católico. Acertámos em cheio. Porque tu, com essa conversa pindérica acerca dos padres e da Igreja, da miséria dos portugueses e da grandeza dos estrangeiros, só demonstras, afinal, que és um genuíno católico. De gema.".

Ou talvez um dia os pais lhe mostrem este post do avô.

Sem comentários: