Quando afirmo que, hoje em dia, em Portugal, nas faculdades de economia, direito, ciência política, sociologia, etc. só se ensina protestantismo, eu não me refiro apenas às universidades públicas e privadas. Está incluída a Universidade Católica.
Este estudo, por exemplo, conduzido pela Faculdade de Economia da Universidade Católica, é um exemplo acabado. O estudo trata a actividade económica informal indiscriminadamente como se fosse um crime e inventaria 61 medidas (nem menos, sessenta e uma) para o combater.
Num país de tradição católica, com o seu personalismo, a maior parte das relações económicas são uma emanação de relações pessoais, de família, de amizade, etc. É diferente num país protestante onde, na ausência do personalismo católico, e assentando na ideia de que as pessoas são aproximadamente todas iguais, se concluem negócios com qualquer um e de uma maneira que é igual para todos. A relação típica de negócios num país protestante é impessoal (foi com este, podia ser com outro), portanto estandardizada e facilmente intitucionalizável.
É diferente num país católico como Portugal. A relação de negócios é frequentemente pessoalizada (é assim com este que é meu primo, mas seria diferente com outro), por isso, dificilmente estandardizável e institucionalizável. Existem também, obviamente, negócios estandardizados e institucionalizados em Portugal, como a banca, seguros, cadeias de distribuição, etc. Na realidade, existe de tudo, de um extremo ao outro do espectro, e em todos os graus intermédios.
Mas precisamente porque existe de tudo, é preciso que uma análise da economia informal discrimine o que é informalidade aceitável e o que é informalidade inaceitável, em lugar de criminalizar generalizadamente todos aqueles que se dedicam a actividades económicas informais. O conceito relevante, aquele que estabelece a fronteira, é o conceito de relevância pública.
Que relevância pública tem a D. Maria que, no fogão da sua cozinha, faz as bolas de berlim que se vendem na pastelaria da sua prima lá na terra? Nenhuma. Que relevância pública tem a actividade do Sr. Francisco que todos os dias se mete no seu barco a remos e vai pescar sardinhas ao largo, as quais depois vende na tasca do Sr. Luís, cujo pai já era amigo do pai do Sr. Francisco? Nenhuma. Nem sequer se trata de negócios. Trata-se de actividades de subsistência.
A importância que é dada no estudo da Universidade Católica à economia informal interessa sobretudo ao Fisco e à Segurança Social, eventualmente também à ASAE. Mas que volume de impostos espera o Ministério das Finanças obter da actividade económica da D. Maria ou da do Sr. Francisco? Absolutamente irrelevante. E quanto à qualidade das bolas de berlim da D. Maria, e das sardinhas do Sr. Francisco, que pode interessar à ASAE, a melhor garantia é que não se conhece ninguém lá na terra que tenha morrido por comer umas ou outras.
Nas circunstâncias económicas actuais, em que as pessoas perdem os empregos em negócios institucionalizados, sobretudo nas cidades, e não arranjam outros, muitos regressando à sua aldeia ou terra natal, a única maneira de muitos portugueses sobreviverem vai ser por recurso a actividades informais, cultivando um terreno que possuem lá na terra, prestando pequenos serviços à margem do fisco, etc. Este é o pior momento de todos, ainda por cima sem discernimento, para as autoridades andarem a perseguir a actividade económica informal.
Porém, se o Fisco, a Segurança Social e a ASAE perseguirem a D. Maria e o Sr. Francisco, aquilo que vão fazer é acabar com as bolas de berlim da D. Maria e as sardinhas do Sr. Francisco os quais, em alternativa, vendo-se impedidos de fazer aquilo que sempre fizeram, provavelmente se vão candidatar a um subsídio qualquer de sobrevivência. Quem beneficia com isto? Ninguém.
É claro que, se a D. Maria passar a fazer bolas de Berlim para todas as pastelarias da terra, e o Sr. Francisco passar a pescar sardinhas para todos os restaurantes da cidade, adeus informalidade. O negócio passa a ter relevência pública, tornou-se impessoal. Agora, precisa de ser institucionalizado, pagar impostos e contribuições à segurança social e submeter-se à fiscalização das autoridades do país. Mas só passando esta fronteira.
Até lá não podem ser considerados criminosos económicos nem evadidos fiscais. Portugal é um país católico, uma cultura que é altamente pessoalizada, e por isso sempre possuíu, possui e há-de possuír um amplo sector de economia informal, em comparação com aquele que existe em qualquer país protestante onde, dada a sua cultura, qualquer tipo de actividade económica informal pode, com razão, ser considerada ilegal, um crime económico ou fiscal.
Em suma, a Universidade Católica tratou o muito católico Portugal como se fosse um país protestante. Com estas ajudas, Portugal não precisa de importar ideias protestantes. Elas já cá estão. Até na Universidade Católica.
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