26 dezembro 2011

a rectaguarda

Portugal está agora a iniciar um processo, que se acentuará nos próximos anos, e que o levará de volta a viver de acordo com as suas tradições. Trata-se, não de um processo deliberado, porque os portugueses nunca mudaram por força de argumento intelectual, mas por força das circunstâncias. O destino final deste processo é a tradição, e é uma questão de sobrevivência, porque só na tradição os portugueses conseguirão ser competitivos e sobreviver. O processo afectará a economia, mas também as instituições, como a justiça, a política, a educação, a saúde, etc.

Tratarei aqui da economia, começando por identificar alguns traços da tradição económica portuguesa.

É uma economia de proximidade - esta é a sua principal característica. Trata-se, predominantemente, de produzir para pessoas que se conhecem. É uma tradição de economia face-a-face em que o produtor e o consumidor geralmente se conhecem entre si. O mercado que os portugueses reconhecem e onde funcionam bem é o mercado local - como os célebres mercados do Bolhão no Porto ou da Ribeira, em Lisboa -, não o mercado nacional e menos ainda o mercado global, ideias demasiadamente abstractas para a sua cultura.

Esta característica pressupõe uma outra. Trata-se de uma economia de pequena comunidade. Vamos assistir em breve (na realidade, já está a acontecer) a uma forte corrente de emigração das grandes cidades - onde se gera o desemprego - para as pequenas cidades, vilas e aldeias do interior e do centro litoral - a rectaguarda, onde um grande número de portugueses mantém a sua casa (até aqui fechada) e uns terrenos, para além de uma teia de relações pessoais. A economia de Lisboa será, de longe, a principal vítima deste movimento. Portugal vai voltar a regionalizar-se, não por decisão política, mas por força das circunstâncias.

E quais os produtos que tradicionalmente os portugueses fazem bem? Tudo aquilo que diga respeito à gratificação do corpo. Em primeiro lugar, alimentos, significando um retorno crescente à agricultura, pesca e pecuária , mas também toda a gama de serviços ligados aos cuidados do corpo - serviços de cabeleireiro, desportivos, de enfermagem, de cuidado de velhos, etc.

Quanto às indústrias, aquelas em que os portugueses são bons, porque têm tradição nelas, são ainda aquelas que, directa ou indirectamente, estão ligadas à gratificação do corpo. Bebidas, vinho em primeiro lugar, indústrias de conservação e transformação de alimentos (conservas, secagem de bacalhau, etc.), roupas, calçado, joalharia, as indústrias ligadas ao espaço doméstico (mobiliário, vidros, sanitários, torneiras, etc.).

Nos serviços, manter-se-ão os serviços públicos, agora mais descentralizados pela necessidade de servir um maior número de populações locais, mas a nível global a provisão de serviços públicos diminuirá fortemente. O mesmo acontecerá com toda a outra espécie de serviços, como os financeiros.

Dentro de poucos anos a economia portuguesa será, sobretudo, uma economia de pequenas comunidades e de pequenas empresas (geralmente familiares) servindo mercados locais. O comércio tradicional voltará a florescer, especialmente fora das grandes cidades. Nas grandes cidades serão vítimas deste processo: os grandes centros comerciais e, em geral, as grandes superfícies de distribuição, bem como as lojas de marca, vendendo produtos geralmente importados.

As grandes empresas que subsistirão no país , incluindo bancos, serão sobretudo estatais e serão poucas as grandes empresas privadas a sobreviver a este processo, excepto se receberem ajuda estatal. Haverá certamente, no meio deste panorama geral, pequenas empresas inovadoras fora dos sectores tradicionais (v.g., em áreas tecnológicas de ponta), mas permanecerão como excepções e nunca constituirão massa. A principal fonte de inovação no país ocorrerá nos sectores tradicionais (a indústria vinícola é um excelente exemplo neste aspecto) e é daí que Portugal pode esperar restaurar a sua competitividade.

Tenho descrito este cenário a quem me pergunta o que vai ser o futuro. Quando termino, os meus interlocutores olham-me com horror: "Mas isso é regressar aos anos 60 ou 70!", exclamam. Em parte sim, em parte não. A parte não é que a revolução das telecomunicações, as auto-estradas e outros equipamentos sociais que não existiam na altura, uma parte do Estado Social também, estão aí para ficar. A parte sim é que esta é a nossa tradição e, com ela, nos anos 60 e 70 crescíamos a 6 e 7% ao ano (em 1973 atingimos mesmo 11%), na realidade éramos um verdadeiro milagre económico (segundo o Financial Times).

1 comentário:

Vivendi disse...

Deus queira que o futuro passe por aqui.